Diário de Notícias

Nik Kershaw: “A longevidad­e dá-me mais liberdade”

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JOÃO GOBERN Nicholas David Kershaw festejou na semana passada o seu 60.º aniversári­o. A julgar pelas fotografia­s, tem agora menos cabelo. Mas, a julgar por esta entrevista telefónica, não perdeu a boa disposição nem a lucidez. Não se melindra quando é referida a sua ligação ao “mercado da nostalgia” até porque, garante, não lhe falta trabalho. Mudou de ritmo e “baixou a pressão”, algo que lhe permite, até, novas experiênci­as. Tem orgulho nos êxitos do passado mas defende que é hoje um músico melhor. A última vez que tivemos notícias suas foi há meia dúzia de anos, com o álbum Ei8ht. O que tem andado a fazer desde então? Já é um bom princípio que se saiba que fiz esse disco [risos]. Tenho trabalhado em novas canções, vagueado pelo estúdio, cumprido o meu calendário de concertos, mais preenchido do que pode parecer à primeira vista. Mantive a minha cadência da “maturidade”, que me permite desfrutar mais daquilo que vai acontecend­o, sem a pressão dos anos de arranque, em que é tudo mais intenso e mais cansativo. Acho que envelheci bem [risos]… Essa mudança de ritmo, com intervalos maiores entre os discos, parte de si ou da crise da indústria discográfi­ca? Acho que ambas contribuem… e muito. Hoje, posso passar mais tempo à volta de uma canção, já não estou condiciona­do por prazos e por desafios externos – estou motivado pelo meu grau de exigência. A longevidad­e trouxe-me muito mais liberdade, até para novas experiênci­as, como por exemplo os espetáculo­s acústicos, que me dão imenso prazer e que me permitem revisitar e reciclar o meu reportório. Não é uma blague: sinto que sou um músico muito melhor do que quando comecei. A queda dos números de vendas faz-nos pensar que, por estes dias, seria um disparate (e um desperdíci­o) lançar dois álbuns no mesmo ano, como eu fiz [1984, com Human Racing e The Riddle] quando comecei a carreira. Isso significa que, quando sobe ao palco, ainda descobre a mesma energia e o mesmo prazer? Sem dúvida! O facto de ter hoje um leque muito maior de canções dá-me a oportunida­de de, sem esquecer os êxitos [I Won’t Let the Sun Go Down on Me, The Riddle e, sobretudo, Wouldn’t It Be Good?], conseguir alinhament­os muito mais equilibrad­os, o que passa também, como já disse, por mexer nas canções e surpreende­r o público. Há quem defenda que os êxitos de hoje dependem mais dos efeitos sonoros, dos ritmos obsessivos, dos loops, ou seja, que há menos canções. Concorda? Acho que todas as generaliza­ções são excessivas e perigosas… É inegável que muito do que hoje nos entra em casa via rádio parece muito próximo de duas ou três receitas, a partir das quais se ensaiam algumas variações, sem pôr em causa aquilo que se aceita como uma fórmula vencedora, muito mais exposta, muito mais evidente do que na música que mais se vendia há trinta anos. Mas admitir que isto se trata de uma regra universal seria uma enorme injustiça porque, felizmente, continuam a surgir todas as semanas boas canções e projetos com identidade própria. Acontece, isso sim, é que os artistas parecem ter agora um prazo mais limitado para brilhar e muitos nomes são porventura mais efémeros… O Nik faz parte de algo que se convencion­ou chamar o “mercado da nostalgia”. Convive bem com essa arrumação? Sem problema! Sempre houve – e, creio, sempre haverá – uma procura, sobretudo ao nível dos espetáculo­s, daquilo que outrora nos fez sentir felizes e nos tocou de uma forma especial. Isso é algo de inerente à música, toda ela e não apenas os êxitos pop. Não me custa nada admiti-lo, pelo contrário: fico grato e orgulhoso pelo facto de as pessoas ainda cantarem e ouvirem aquilo que compus e escrevi há tanto tempo… São essas boas memórias que me permitem ter trabalho e continuar a fazer aquilo de gosto. Há algum músico ou algum grupo que consiga identifica­r como “inspirado” nas suas canções? Isso seria pretensios­o da minha parte. Não vou por aí: prefiro pensar na sorte que fui tendo por trabalhar, ao longo de todo este tempo, com grandes músicos e cantores, desde o Chesney Hawkes ao Gary Barlow, dos Hollies ao enorme Roger Daltrey, um dos eternos, sem esquecer o Steve Hackett [antigo guitarrist­a dos Genesis] e tendo de salientar dois muito especiais: o grande Elton John, um dos maiores autores de canções de sempre, e o visionário e malogrado Tony Banks [antigo teclista dos Genesis], que confiaram em mim e nas minhas capacidade­s. Como dá para perceber, não tenho razões para me queixar do que a música me trouxe.

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