“O PSD é muito mais do que o seu grupo parlamentar”
Passaram três semanas desde o congresso do PSD e, aparentemente, a sensação que existe neste momento é de que Rui Rio saiu de cena. Onde é que para o líder da oposição? [Risos] Onde é que ele para? Está obviamente na sede. Depois do congresso, a grande preocupação tem sido a organização das estruturas locais e das equipas de trabalho. Quem conhece o Dr. Rui Rio sabe que é uma pessoa que antes de apregoar, de fazer questão de dar notícia, gosta de ter as coisas bem feitas, bem planeadas. Aquilo que está a acontecer nestas três semanas é a concretização de uma estratégia que depois será apresentada em público de forma muito assertiva, fazendo oposição ao governo. O Dr. Rui Rio não é alguém que defenda que a melhor oposição é aquela que fala mais alto, aquela que apupa mais, é sim uma oposição construtiva que visa sobretudo chegar ao povo, à comunidade e não tanto aos soundbites, à gestão da espuma dos dias, mas sim uma estratégia a longo prazo. É essa que está a ser preparada. A verdade é que, até agora, ninguém viu, nem sequer no encerramento do congresso, nenhuma proposta palpável do PSD. A questão aqui é se alguém como Rui Rio, que teve tanto tempo para se preparar para ser líder, não deveria já estar a assumir a primeira linha do discurso político? É uma leitura que algumas pessoas estão a fazer, mas isso seria até contraproducente mediante aquilo que o Dr. Rui Rio apresentou aos militantes do PSD aquando das eleições diretas. Aquilo que foi dito, e consta das linhas mestras da moção estratégica, traduziu-se num compromisso com os militantes para se dar valor, tentar chamar os melhores do partido, no sentido de se preparar ideias fortes que não fossem apenas de um homem só, mas que fossem sim da conjugação de muitas opiniões, de muitas reflexões.
Neste momento aquilo que existe são linhas mestras, orientações gerais, mas o que é certo é que a comunidade está a gostar de ver alguém que chegou ao poder de forma completamente livre, que não tem problema em enfrentar e confrontar alguns interesses instalados, que prima por fazer uma oposição construtiva, que não tem problema em dialogar à esquerda e em dialogar à direita; de permitir que quem está a governar tenha as melhores condições possíveis, porque sabe pôr o interesse de Portugal acima de qualquer estratégia político-partidária. Rui Rio é uma pessoa pragmática. A questão é perceber se isso será bom ou mau à luz do que é o habitual na política em Portugal… O líder do PSD é alguém que não gosta de ir atrás do que são os timings, seja da comunicação social seja de outros players da comunidade; ele gosta de ter o seu timing e prefere, em primeiro lugar, organizar-se, ter um pensamento estruturado, ter as equipas bem formadas. Contrariamente ao que foi dito, o Dr. Rui Rio não teve esse tempo de preparação que as pessoas pensam e, toda a gente sabe que fui daqueles que acompanharam o percurso do Dr. Rui Rio para a vitória no PSD, posso dizer que a constituição das equipas, mesmo para a campanha eleitoral, só aconteceu depois de outubro, depois das eleições autárquicas. Esse mito que por vezes surge de que o Dr. Rui Rio esteve um ano, um ano e meio, a preparar-se para tudo isto é completamente infundado e não corresponde à verdade. Uma parte substancial dos deputados do PSD, na eleição para a liderança da bancada, votou em branco. Quiseram vingar-se ou já antecipam que não vão fazer parte das próximas listas do partido? Temos um grupo parlamentar de um nível elevadíssimo, que tem mostrado os ideais da social-democracia no Parlamento. Agora, é natural que depois de um processo de eleições diretas, que foi disputado e em que... … uma parte substancial não apoiou Rui Rio. Exatamente. Depois, a escolha do Dr. Negrão também causou ali alguns contratempos e é natural que tivesse havido esse momento pontual, que eu penso que já está sanado. Estão curadas as feridas? Penso que sim. É importante ter-se noção de que o PSD é muito mais do que o seu grupo parlamentar na Assembleia da República e de que a comunidade nacional e o país são muito mais do que aquilo que se passa na Assembleia da República. Aliás, acho mesmo que a realidade que as pessoas têm quando confinadas naquele espaço é completamente distinta da que existe cá fora. E isso é um problema? Eu acho que pode ser visto como um problema, mas também como uma oportunidade e algo extremamente positivo, porque todos nós sabemos – porque vivemos esse problema – que há um distanciamento entre a comunidade em geral e os seus representantes na Assembleia da República. Já foi tempo em que todos reconhecíamos que os melhores da sociedade estavam na Assembleia da República. Mas não acha que o próprio discurso de Rui Rio, em alguns momentos, terá permitido perceber, a quem está a representar o partido no Parlamento, que vai haver efetivamente uma mudança e que alguns poderão não ter lugar nas próximas bancadas parlamentares do PSD? Não, não creio. Isso é um assunto que, em primeiro lugar, está muito distante; tenho a certeza absoluta de que o Dr. Rui Rio ainda não perdeu um segundo com essa matéria, acho que há aqui, agora, um espaço enorme para os nossos deputados mostrarem aquilo que valem, para mostrarem a sua solidariedade, a sua coesão em torno de uma moção estratégica global que foi escolhida pelos militantes do Partido Social Democrata. Todos os nossos deputados sabem, naturalmente, que representam o PSD e vão querer estar a funcionar como autênticos braços armados do
presidente do partido. Não tenho a menor dúvida e penso que essa foi uma falsa questão, daquelas que, por vezes sem querer ou em alguns órgãos de comunicação social se calhar de propósito, tentam desestabilizar esta entrada do Dr. Rui Rio, mas todos nós que conhecemos o Dr. Rui Rio sabemos que ele também gosta de olhar para estes desafios e transformá-los em oportunidades. Quando temos ambientes aparentemente um pouco mais adversos, por vezes são os mais propícios para implementarmos uma estratégia diferente. Salvador Malheiro, gostaria de que me clarificasse um ponto: disse que há muita qualidade na bancada do PSD, mas também disse, passados uns segundos, que já houve tempos em que os melhores da sociedade estavam na Assembleia da República, o que permite pensarmos que já não estão. Em que é que ficamos? Isso merece uma clarificação. Eu conheço a maioria dos deputados do PSD na Assembleia da República e reconheço em todos enormes competências. Outra coisa é o que sentimos da população e da comunidade em geral, em que há um afastamento claro entre a classe política e a comunidade, e em que sinto que as pessoas, neste momento, não têm aquele deslumbramento que tinham no passado quando olhavam para aquela Assembleia da República e, de facto, identificavam ali os melhores da sociedade. Resposta para esse afastamento é um líder que foge aos tempos da comunicação social, aos tempos do debate político, que pode dar-se ao luxo de estar duas, três semanas sem aparecer e que pretende, como Salvador Malheiro dizia há pouco, falar diretamente com o povo. Não há aqui também o toque de algum populismo? Esse afastamento entre a classe política e o povo é resultado de uma série de erros que vários partidos cometeram ao longo dos tempos, sobretudo alguns protagonistas desses partidos. Essa é a razão principal. A forma particular de o Dr. Rui Rio fazer política e de não estar dependente dos timings da comunicação social e de não ir a toque de caixa da comunicação social é uma forma de estar, mas se há pessoas que, por vezes, possam não apreciar essa forma de fazer política, há outras que apreciam. Há muita gente que quando olha para o Dr. Rui Rio vê uma imagem de credibilidade, de confiança; se isso acontecesse com todos os eleitos, sejam eles locais ou na Assembleia da República, naturalmente que a realidade seria diferente. Nos dias de hoje é importantíssimo ter um relacionamento cordial com a comunicação social, sabendo a força, o poder, o peso que ela tem e que são hoje completamente distintos daquilo que eram há 10 ou 20 anos. O mundo acelerou e Rui Rio, ao aparecer menos, tem, com toda a certeza, noção de que cada vez que aparece isso tem um significado; o facto de ele ter reunido primeiro com António Costa e só depois com Assunção Cristas tem uma leitura política?
Não, não acho. Aliás, o CDS tem sido o nosso parceiro natural ao longo dos tempos e continua a sê-lo. Vi noticiado nos últimos dias que estaria fora de hipótese uma coligação entre o PSD e o CDS. Nada disso corresponde à realidade; será um assunto a ser analisado no período oportuno. Neste momento, diria que nada diz que o PSD vai sozinho e nada diz que o PSD vai em coligação com o CDS. Estão os cenários todos em aberto. A questão de se ter falado com o PS poderia ter sido ao contrário. Estou a falar com conhecimento de causa. Não houve a preocupação de que primeiro teria de ser o PS. Está a dizer que foi uma coincidência, uma questão de agenda? Uma questão de agenda, não mais do que isso. Na política os sinais são importantes... Há alguns sinais de que se tenta tirar de imediato algumas ilações que depois são infundadas. Não tem portanto leitura política, esse pormenor de agenda? Não tem leitura política absolutamente nenhuma. Para mim, a leitura que faço é: o Dr. Rui Rio esteve durante todo o período de campanha eleitoral a dizer que são absolutamente necessários acordos estruturais entre os partidos... Essa é a melhor forma para arrancar para uma liderança de um partido da oposição, a admissão de um acordo, de um suporte do partido que neste momento sustenta o governo? Eu acho que sim. Nós não podemos dizer uma coisa e depois na práxis fazer o seu contrário. Se o Dr. Rui Rio, olhando para os enormes constrangimentos que o país tem, que, na sua opinião, só podem ser ultrapassados com grandes acordos estruturais que envolvam os dois maiores partidos e o máximo de partidos possível, tem de, de imediato e depois de ter ganho o partido, mostrar a sua disponibilidade para isso? Essa foi a razão por que mostrámos a nossa disponibilidade para atacar, desde já, dois dossiês que são absolutamente decisivos: os fundos comunitários e também a chamada descentralização. Isso não quer dizer que estejamos a preparar um Bloco Central, nada disso... Tal como dizia Francisco Sá Carneiro, acima de qualquer interesse pessoal, partidário, tem de estar o interesse nacional. No que tem que ver com a descentralização, o PSD, sendo um partido responsável, tem de se mostrar disponível para poder ajudar a que este grande pacote seja conseguido. Agora, vamos ver quais serão as condições financeiras que irão servir de contrapartida para que os municípios possam acatar essa delegação de competências da tutela para as autarquias. Estamos a falar aqui de municipalização, não estamos a falar de descentralização. O projeto estrutural que o Dr. Rui Rio tem a nível da descentralização vai muito mais além do que aquilo que, neste momento, está em cima da mesa no que respeita à municipalização que este governo está a tentar fazer. Mas não é pelo facto de que o que este governo quer fazer agora não ser precisamen-
“Todos os nossos deputados sabem que representam o PSD e vão querer estar a funcionar como autênticos braços armados do presidente do partido”
“Rui Rio gosta de olhar para esses desafios [críticas no grupo parlamentar] e transformá-los em oportunidades. Por vezes, estes ambientes mais adversos são os mais propícios a implementar uma estratégia diferente”
“Tenho pena que Marques Mendes, quando foi líder do partido, não tenha aplicado todos os ensinamentos que agora tenta dar a todos os militantes do PSD”
te aquilo que nós queremos fazer que vamos estar completamente de costas voltadas. Quer dar-nos ideias sobre o que significa para o país essa descentralização na cabeça do Dr. Rui Rio? Pretende-se, sobretudo, fazer que haja vários níveis de poder, com que tenhamos várias instituições intermédias – que podem ser as próprias autarquias, que podem ser comunidades intermunicipais – em que possamos ter a decisão não centralizada sempre na capital do país. Portanto, podemos ter órgãos de decisão… Mas chegando à regionalização? Pergunto isto porque Rui Rio já foi contra numa determinada fase e a favor alguns anos depois. Pode chegar a esse ponto de voltar a levantar a questão da regionalização do país? Creio que nesses termos não. O Dr. Rui Rio é muito contra o que se passa neste momento, sente que o país está muito centralizado e que sendo o poder central a resolver uma série de situações, isto é, tendo competências a mais, e ainda por cima não tendo nós qualquer tipo de ganho a nível financeiro, como está não está bem. Portanto, há que equacionar outras soluções. Essas soluções nunca passarão por uma regionalização nua e crua, porque se constatarmos que vamos criar regiões administrativas em que vamos ter mais assembleias regionais com mais custos, podem ter a certeza de que o Dr. Rui Rio será contra esse modelo. Agora, em relação a um modelo intermédio em que tentemos descentralizar o que existe, ele será claramente a favor, mas temos de pôr, naturalmente, os principais players a conversar, temos de fazer os diagnósticos precisos, fazer contas, porque na situação em que estamos é que não estamos bem. Foi um erro ter acabado com a figura dos governadores civis? [Risos] Essa foi uma das primeiras resoluções do governo de Pedro Passos Coelho. Acho que foi a decisão correta na altura... Pergunto isto porque tivemos um verão com uma fatura pesada nos incêndios, de perdas humanas e danos materiais muito pesados, e houve falta de coordenação, faltou ali uma estrutura intermédia que poderia ter sido desempenhada pelos governos civis? Não creio que se nós tivéssemos governos civis as coisas tivessem sido muito diferentes. Não é o facto de termos, no estado em que tínhamos os nossos governos civis – praticamente sem meios, sem recursos, sem equipas técnicas –, que teria feito que as coisas fossem diferentes. Também temos de olhar para estes problemas com realismo e com muita seriedade. O que aconteceu foi algo extremamente complicado, sobretudo sob o ponto de vista meteorológico, foi a conjugação de uma série de fatores com uma carga combustível enorme nas nossas florestas. Naturalmente que houve uma série de erros a nível da coordenação, da Proteção Civil, que importa agora tentar resolver. Importa tentar resolver atacando o problema de fundo. Não é com uma reforma das florestas que é pensada em cinco dias e apresentada em cinco dias que tudo fica logo resolvido. Não é passar a responsabilidade toda da limpeza das florestas para os municípios e dizer que o problema está resolvido. Penso que tem de passar por uma gestão florestal de muita qualidade, por uma estratégia de emparcelamento dos prédios rústicos, tentando aumentar a escala dos mesmos, tem de passar, naturalmente, por um cadastro de todas as propriedades rústicas, que deve ser feito principalmente por quem conhece o terreno: as autarquias locais, as freguesias – as nossas juntas de freguesia têm aqui oportunidade de poder fazer esse trabalho –, e depois atacar a limpeza das florestas como deve ser. A limpeza das florestas, designadamente para aproveitamento energético de resíduos, é algo que toca em todos os vetores da sustentabilidade. Mas está a ser feita como deve ser ou não? Os autarcas dizem que estão a exigir que em poucos meses façam o trabalho que não foi feito em várias décadas. Não está e não poderia estar, porque foi pensada, foi planeada, foi analisada muito rapidamente e portanto isto é uma reforma de fundo que tem de acontecer e que tem de perdurar muitos anos, muitos mandatos, independentemente dos partidos que estiverem à frente do poder. Tem de valer a pena criar-se redes para a limpeza das florestas; quem limpa as florestas tem de ganhar o dinheiro suficiente para que esse seu trabalho compense. Reparem que já estamos aqui a falar de emprego, já estamos a tocar na componente económica. As grandes manchas florestais acontecem precisamente nas zonas do interior, onde temos uma densidade populacional menor. Estamos aqui a falar da chamada coesão territorial que pode ser alavancada por aí. Depois, naturalmente, deve tentar-se aproveitar esses resíduos florestais como um recurso endógeno renovável, seja para diminuir as emissões de dióxido de carbono seja para a produção de eletricidade verde, mas há que saber que isto não pode ser feito como está a ser anunciado, que é: “Vamos colocar uma série de centrais de biomassa de três megawatts nos locais onde temos mais florestas”, esquecendo se existe ou não disponibilidade na rede para que essa energia elétrica seja injetada com sucesso, esquecendo se temos ou não rentabilidade com essas centrais de biomassa. As centrais de biomassa também têm de ter uma particularidade, tem de haver gente que sinta que vale a pena investir, as centrais têm de ter rentabilidade. Estamos a falar de uma central de três megawatts e eu pergunto se ela terá ou não rentabilidade. Será que não vale a pena aumentar um pouco a potência? Será que não vale a pena aumentar um pouco a sua dimensão? Depois, estamos a falar de centrais dedicadas, aquelas que queimam resíduos florestais e produzem apenas e só eletricidade; estamos a desperdiçar para a atmosfera mais de dois terços daquela energia que estamos a queimar.
“Não é com uma reforma das florestas que é pensada em cinco dias e apresentada em cinco dias que tudo fica resolvido”
“A solução não pode ser uma regionalização nua e crua. Se vamos criar regiões administrativas com assembleias regionais com mais custos, podem ter a certeza de que o Dr. Rui Rio será contra esse modelo”
“Coligação com o CDS? Creio que está tudo em aberto, mas o PSD sozinho tem uma capacidade de penetração no centro-esquerda muito maior”