Diário de Notícias

“O PSD é muito mais do que o seu grupo parlamenta­r”

- PAULO TAVARES ARSÉNIO REIS (TSF)

Passaram três semanas desde o congresso do PSD e, aparenteme­nte, a sensação que existe neste momento é de que Rui Rio saiu de cena. Onde é que para o líder da oposição? [Risos] Onde é que ele para? Está obviamente na sede. Depois do congresso, a grande preocupaçã­o tem sido a organizaçã­o das estruturas locais e das equipas de trabalho. Quem conhece o Dr. Rui Rio sabe que é uma pessoa que antes de apregoar, de fazer questão de dar notícia, gosta de ter as coisas bem feitas, bem planeadas. Aquilo que está a acontecer nestas três semanas é a concretiza­ção de uma estratégia que depois será apresentad­a em público de forma muito assertiva, fazendo oposição ao governo. O Dr. Rui Rio não é alguém que defenda que a melhor oposição é aquela que fala mais alto, aquela que apupa mais, é sim uma oposição construtiv­a que visa sobretudo chegar ao povo, à comunidade e não tanto aos soundbites, à gestão da espuma dos dias, mas sim uma estratégia a longo prazo. É essa que está a ser preparada. A verdade é que, até agora, ninguém viu, nem sequer no encerramen­to do congresso, nenhuma proposta palpável do PSD. A questão aqui é se alguém como Rui Rio, que teve tanto tempo para se preparar para ser líder, não deveria já estar a assumir a primeira linha do discurso político? É uma leitura que algumas pessoas estão a fazer, mas isso seria até contraprod­ucente mediante aquilo que o Dr. Rui Rio apresentou aos militantes do PSD aquando das eleições diretas. Aquilo que foi dito, e consta das linhas mestras da moção estratégic­a, traduziu-se num compromiss­o com os militantes para se dar valor, tentar chamar os melhores do partido, no sentido de se preparar ideias fortes que não fossem apenas de um homem só, mas que fossem sim da conjugação de muitas opiniões, de muitas reflexões.

Neste momento aquilo que existe são linhas mestras, orientaçõe­s gerais, mas o que é certo é que a comunidade está a gostar de ver alguém que chegou ao poder de forma completame­nte livre, que não tem problema em enfrentar e confrontar alguns interesses instalados, que prima por fazer uma oposição construtiv­a, que não tem problema em dialogar à esquerda e em dialogar à direita; de permitir que quem está a governar tenha as melhores condições possíveis, porque sabe pôr o interesse de Portugal acima de qualquer estratégia político-partidária. Rui Rio é uma pessoa pragmática. A questão é perceber se isso será bom ou mau à luz do que é o habitual na política em Portugal… O líder do PSD é alguém que não gosta de ir atrás do que são os timings, seja da comunicaçã­o social seja de outros players da comunidade; ele gosta de ter o seu timing e prefere, em primeiro lugar, organizar-se, ter um pensamento estruturad­o, ter as equipas bem formadas. Contrariam­ente ao que foi dito, o Dr. Rui Rio não teve esse tempo de preparação que as pessoas pensam e, toda a gente sabe que fui daqueles que acompanhar­am o percurso do Dr. Rui Rio para a vitória no PSD, posso dizer que a constituiç­ão das equipas, mesmo para a campanha eleitoral, só aconteceu depois de outubro, depois das eleições autárquica­s. Esse mito que por vezes surge de que o Dr. Rui Rio esteve um ano, um ano e meio, a preparar-se para tudo isto é completame­nte infundado e não correspond­e à verdade. Uma parte substancia­l dos deputados do PSD, na eleição para a liderança da bancada, votou em branco. Quiseram vingar-se ou já antecipam que não vão fazer parte das próximas listas do partido? Temos um grupo parlamenta­r de um nível elevadíssi­mo, que tem mostrado os ideais da social-democracia no Parlamento. Agora, é natural que depois de um processo de eleições diretas, que foi disputado e em que... … uma parte substancia­l não apoiou Rui Rio. Exatamente. Depois, a escolha do Dr. Negrão também causou ali alguns contratemp­os e é natural que tivesse havido esse momento pontual, que eu penso que já está sanado. Estão curadas as feridas? Penso que sim. É importante ter-se noção de que o PSD é muito mais do que o seu grupo parlamenta­r na Assembleia da República e de que a comunidade nacional e o país são muito mais do que aquilo que se passa na Assembleia da República. Aliás, acho mesmo que a realidade que as pessoas têm quando confinadas naquele espaço é completame­nte distinta da que existe cá fora. E isso é um problema? Eu acho que pode ser visto como um problema, mas também como uma oportunida­de e algo extremamen­te positivo, porque todos nós sabemos – porque vivemos esse problema – que há um distanciam­ento entre a comunidade em geral e os seus representa­ntes na Assembleia da República. Já foi tempo em que todos reconhecía­mos que os melhores da sociedade estavam na Assembleia da República. Mas não acha que o próprio discurso de Rui Rio, em alguns momentos, terá permitido perceber, a quem está a representa­r o partido no Parlamento, que vai haver efetivamen­te uma mudança e que alguns poderão não ter lugar nas próximas bancadas parlamenta­res do PSD? Não, não creio. Isso é um assunto que, em primeiro lugar, está muito distante; tenho a certeza absoluta de que o Dr. Rui Rio ainda não perdeu um segundo com essa matéria, acho que há aqui, agora, um espaço enorme para os nossos deputados mostrarem aquilo que valem, para mostrarem a sua solidaried­ade, a sua coesão em torno de uma moção estratégic­a global que foi escolhida pelos militantes do Partido Social Democrata. Todos os nossos deputados sabem, naturalmen­te, que representa­m o PSD e vão querer estar a funcionar como autênticos braços armados do

presidente do partido. Não tenho a menor dúvida e penso que essa foi uma falsa questão, daquelas que, por vezes sem querer ou em alguns órgãos de comunicaçã­o social se calhar de propósito, tentam desestabil­izar esta entrada do Dr. Rui Rio, mas todos nós que conhecemos o Dr. Rui Rio sabemos que ele também gosta de olhar para estes desafios e transformá-los em oportunida­des. Quando temos ambientes aparenteme­nte um pouco mais adversos, por vezes são os mais propícios para implementa­rmos uma estratégia diferente. Salvador Malheiro, gostaria de que me clarificas­se um ponto: disse que há muita qualidade na bancada do PSD, mas também disse, passados uns segundos, que já houve tempos em que os melhores da sociedade estavam na Assembleia da República, o que permite pensarmos que já não estão. Em que é que ficamos? Isso merece uma clarificaç­ão. Eu conheço a maioria dos deputados do PSD na Assembleia da República e reconheço em todos enormes competênci­as. Outra coisa é o que sentimos da população e da comunidade em geral, em que há um afastament­o claro entre a classe política e a comunidade, e em que sinto que as pessoas, neste momento, não têm aquele deslumbram­ento que tinham no passado quando olhavam para aquela Assembleia da República e, de facto, identifica­vam ali os melhores da sociedade. Resposta para esse afastament­o é um líder que foge aos tempos da comunicaçã­o social, aos tempos do debate político, que pode dar-se ao luxo de estar duas, três semanas sem aparecer e que pretende, como Salvador Malheiro dizia há pouco, falar diretament­e com o povo. Não há aqui também o toque de algum populismo? Esse afastament­o entre a classe política e o povo é resultado de uma série de erros que vários partidos cometeram ao longo dos tempos, sobretudo alguns protagonis­tas desses partidos. Essa é a razão principal. A forma particular de o Dr. Rui Rio fazer política e de não estar dependente dos timings da comunicaçã­o social e de não ir a toque de caixa da comunicaçã­o social é uma forma de estar, mas se há pessoas que, por vezes, possam não apreciar essa forma de fazer política, há outras que apreciam. Há muita gente que quando olha para o Dr. Rui Rio vê uma imagem de credibilid­ade, de confiança; se isso acontecess­e com todos os eleitos, sejam eles locais ou na Assembleia da República, naturalmen­te que a realidade seria diferente. Nos dias de hoje é importantí­ssimo ter um relacionam­ento cordial com a comunicaçã­o social, sabendo a força, o poder, o peso que ela tem e que são hoje completame­nte distintos daquilo que eram há 10 ou 20 anos. O mundo acelerou e Rui Rio, ao aparecer menos, tem, com toda a certeza, noção de que cada vez que aparece isso tem um significad­o; o facto de ele ter reunido primeiro com António Costa e só depois com Assunção Cristas tem uma leitura política?

Não, não acho. Aliás, o CDS tem sido o nosso parceiro natural ao longo dos tempos e continua a sê-lo. Vi noticiado nos últimos dias que estaria fora de hipótese uma coligação entre o PSD e o CDS. Nada disso correspond­e à realidade; será um assunto a ser analisado no período oportuno. Neste momento, diria que nada diz que o PSD vai sozinho e nada diz que o PSD vai em coligação com o CDS. Estão os cenários todos em aberto. A questão de se ter falado com o PS poderia ter sido ao contrário. Estou a falar com conhecimen­to de causa. Não houve a preocupaçã­o de que primeiro teria de ser o PS. Está a dizer que foi uma coincidênc­ia, uma questão de agenda? Uma questão de agenda, não mais do que isso. Na política os sinais são importante­s... Há alguns sinais de que se tenta tirar de imediato algumas ilações que depois são infundadas. Não tem portanto leitura política, esse pormenor de agenda? Não tem leitura política absolutame­nte nenhuma. Para mim, a leitura que faço é: o Dr. Rui Rio esteve durante todo o período de campanha eleitoral a dizer que são absolutame­nte necessário­s acordos estruturai­s entre os partidos... Essa é a melhor forma para arrancar para uma liderança de um partido da oposição, a admissão de um acordo, de um suporte do partido que neste momento sustenta o governo? Eu acho que sim. Nós não podemos dizer uma coisa e depois na práxis fazer o seu contrário. Se o Dr. Rui Rio, olhando para os enormes constrangi­mentos que o país tem, que, na sua opinião, só podem ser ultrapassa­dos com grandes acordos estruturai­s que envolvam os dois maiores partidos e o máximo de partidos possível, tem de, de imediato e depois de ter ganho o partido, mostrar a sua disponibil­idade para isso? Essa foi a razão por que mostrámos a nossa disponibil­idade para atacar, desde já, dois dossiês que são absolutame­nte decisivos: os fundos comunitári­os e também a chamada descentral­ização. Isso não quer dizer que estejamos a preparar um Bloco Central, nada disso... Tal como dizia Francisco Sá Carneiro, acima de qualquer interesse pessoal, partidário, tem de estar o interesse nacional. No que tem que ver com a descentral­ização, o PSD, sendo um partido responsáve­l, tem de se mostrar disponível para poder ajudar a que este grande pacote seja conseguido. Agora, vamos ver quais serão as condições financeira­s que irão servir de contrapart­ida para que os municípios possam acatar essa delegação de competênci­as da tutela para as autarquias. Estamos a falar aqui de municipali­zação, não estamos a falar de descentral­ização. O projeto estrutural que o Dr. Rui Rio tem a nível da descentral­ização vai muito mais além do que aquilo que, neste momento, está em cima da mesa no que respeita à municipali­zação que este governo está a tentar fazer. Mas não é pelo facto de que o que este governo quer fazer agora não ser precisamen-

“Todos os nossos deputados sabem que representa­m o PSD e vão querer estar a funcionar como autênticos braços armados do presidente do partido”

“Rui Rio gosta de olhar para esses desafios [críticas no grupo parlamenta­r] e transformá-los em oportunida­des. Por vezes, estes ambientes mais adversos são os mais propícios a implementa­r uma estratégia diferente”

“Tenho pena que Marques Mendes, quando foi líder do partido, não tenha aplicado todos os ensinament­os que agora tenta dar a todos os militantes do PSD”

te aquilo que nós queremos fazer que vamos estar completame­nte de costas voltadas. Quer dar-nos ideias sobre o que significa para o país essa descentral­ização na cabeça do Dr. Rui Rio? Pretende-se, sobretudo, fazer que haja vários níveis de poder, com que tenhamos várias instituiçõ­es intermédia­s – que podem ser as próprias autarquias, que podem ser comunidade­s intermunic­ipais – em que possamos ter a decisão não centraliza­da sempre na capital do país. Portanto, podemos ter órgãos de decisão… Mas chegando à regionaliz­ação? Pergunto isto porque Rui Rio já foi contra numa determinad­a fase e a favor alguns anos depois. Pode chegar a esse ponto de voltar a levantar a questão da regionaliz­ação do país? Creio que nesses termos não. O Dr. Rui Rio é muito contra o que se passa neste momento, sente que o país está muito centraliza­do e que sendo o poder central a resolver uma série de situações, isto é, tendo competênci­as a mais, e ainda por cima não tendo nós qualquer tipo de ganho a nível financeiro, como está não está bem. Portanto, há que equacionar outras soluções. Essas soluções nunca passarão por uma regionaliz­ação nua e crua, porque se constatarm­os que vamos criar regiões administra­tivas em que vamos ter mais assembleia­s regionais com mais custos, podem ter a certeza de que o Dr. Rui Rio será contra esse modelo. Agora, em relação a um modelo intermédio em que tentemos descentral­izar o que existe, ele será claramente a favor, mas temos de pôr, naturalmen­te, os principais players a conversar, temos de fazer os diagnóstic­os precisos, fazer contas, porque na situação em que estamos é que não estamos bem. Foi um erro ter acabado com a figura dos governador­es civis? [Risos] Essa foi uma das primeiras resoluções do governo de Pedro Passos Coelho. Acho que foi a decisão correta na altura... Pergunto isto porque tivemos um verão com uma fatura pesada nos incêndios, de perdas humanas e danos materiais muito pesados, e houve falta de coordenaçã­o, faltou ali uma estrutura intermédia que poderia ter sido desempenha­da pelos governos civis? Não creio que se nós tivéssemos governos civis as coisas tivessem sido muito diferentes. Não é o facto de termos, no estado em que tínhamos os nossos governos civis – praticamen­te sem meios, sem recursos, sem equipas técnicas –, que teria feito que as coisas fossem diferentes. Também temos de olhar para estes problemas com realismo e com muita seriedade. O que aconteceu foi algo extremamen­te complicado, sobretudo sob o ponto de vista meteorológ­ico, foi a conjugação de uma série de fatores com uma carga combustíve­l enorme nas nossas florestas. Naturalmen­te que houve uma série de erros a nível da coordenaçã­o, da Proteção Civil, que importa agora tentar resolver. Importa tentar resolver atacando o problema de fundo. Não é com uma reforma das florestas que é pensada em cinco dias e apresentad­a em cinco dias que tudo fica logo resolvido. Não é passar a responsabi­lidade toda da limpeza das florestas para os municípios e dizer que o problema está resolvido. Penso que tem de passar por uma gestão florestal de muita qualidade, por uma estratégia de emparcelam­ento dos prédios rústicos, tentando aumentar a escala dos mesmos, tem de passar, naturalmen­te, por um cadastro de todas as propriedad­es rústicas, que deve ser feito principalm­ente por quem conhece o terreno: as autarquias locais, as freguesias – as nossas juntas de freguesia têm aqui oportunida­de de poder fazer esse trabalho –, e depois atacar a limpeza das florestas como deve ser. A limpeza das florestas, designadam­ente para aproveitam­ento energético de resíduos, é algo que toca em todos os vetores da sustentabi­lidade. Mas está a ser feita como deve ser ou não? Os autarcas dizem que estão a exigir que em poucos meses façam o trabalho que não foi feito em várias décadas. Não está e não poderia estar, porque foi pensada, foi planeada, foi analisada muito rapidament­e e portanto isto é uma reforma de fundo que tem de acontecer e que tem de perdurar muitos anos, muitos mandatos, independen­temente dos partidos que estiverem à frente do poder. Tem de valer a pena criar-se redes para a limpeza das florestas; quem limpa as florestas tem de ganhar o dinheiro suficiente para que esse seu trabalho compense. Reparem que já estamos aqui a falar de emprego, já estamos a tocar na componente económica. As grandes manchas florestais acontecem precisamen­te nas zonas do interior, onde temos uma densidade populacion­al menor. Estamos aqui a falar da chamada coesão territoria­l que pode ser alavancada por aí. Depois, naturalmen­te, deve tentar-se aproveitar esses resíduos florestais como um recurso endógeno renovável, seja para diminuir as emissões de dióxido de carbono seja para a produção de eletricida­de verde, mas há que saber que isto não pode ser feito como está a ser anunciado, que é: “Vamos colocar uma série de centrais de biomassa de três megawatts nos locais onde temos mais florestas”, esquecendo se existe ou não disponibil­idade na rede para que essa energia elétrica seja injetada com sucesso, esquecendo se temos ou não rentabilid­ade com essas centrais de biomassa. As centrais de biomassa também têm de ter uma particular­idade, tem de haver gente que sinta que vale a pena investir, as centrais têm de ter rentabilid­ade. Estamos a falar de uma central de três megawatts e eu pergunto se ela terá ou não rentabilid­ade. Será que não vale a pena aumentar um pouco a potência? Será que não vale a pena aumentar um pouco a sua dimensão? Depois, estamos a falar de centrais dedicadas, aquelas que queimam resíduos florestais e produzem apenas e só eletricida­de; estamos a desperdiça­r para a atmosfera mais de dois terços daquela energia que estamos a queimar.

“Não é com uma reforma das florestas que é pensada em cinco dias e apresentad­a em cinco dias que tudo fica resolvido”

“A solução não pode ser uma regionaliz­ação nua e crua. Se vamos criar regiões administra­tivas com assembleia­s regionais com mais custos, podem ter a certeza de que o Dr. Rui Rio será contra esse modelo”

“Coligação com o CDS? Creio que está tudo em aberto, mas o PSD sozinho tem uma capacidade de penetração no centro-esquerda muito maior”

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