Na companhia de Carrie Mathison
CJOÃO LOPES arrie Mathison, figura central da série Segurança Nacional (Fox), interpretada por Claire Danes, é uma das mais fascinantes personagens da atual paisagem televisiva. Agente da CIA com uma trajetória de muitas atribulações, dentro e fora do sistema de espionagem, descobrimo-la agora, na sétima temporada da série, a viver com a irmã e a filha, em Washington, mantendo uma relação ambígua com a Casa Branca. Além do mais, Mathison sofre de doença bipolar, enfrentando um delicado problema clínico: o lítio, medicamento que tomava regularmente, deixou de fazer efeito.
Esta é, entenda-se, uma descrição francamente insuficiente para compreender a dinâmica interna de Segurança Nacional. Até porque, desde a sua origem, com muitos episódios situados no Médio Oriente, a série tem sabido manter uma relação perversa com a atualidade política e, mais do que isso, com a evolução do poder presidencial nos EUA: o facto de, agora, a presidência estar ocupada por uma mulher, Elizabeth Keane (Elizabeth Marvel), não é estranho ao contexto em que a nova temporada foi gerada, com Hillary Clinton e Donald Trump como figuras polarizadoras de muitas clivagens no interior da sociedade americana.
Ainda mais insuficiente será a descrição de Segurança Nacional como uma variação sobre as matrizes do thriller político. Claro que tais referências também não são estranhas às convulsões que Mathison protagoniza. Mas não se trata de uma banal citação de género. Retomando uma herança cujas raízes estão no cinema americano da década de 1970 – lembremos os casos exemplares de A Última Testemunha (Alan J. Pakula, 1974) e Os Três Dias do Condor (Sydney Pollack, 1975) –, Segurança Nacional envolve uma radical
Claire Danes em Segurança Nacional: onde está o real? tragédia cognitiva. A saber: e se, neste mundo saturado de circuitos e mensagens, já não soubermos distinguir o real e o imaginário?
Na verdade, a doença de Mathison não nos afasta dela. Mesmo que queiramos situar-nos “acima” dos seus delírios conspirativos, somos sempre compelidos a estabelecer alguma cumplicidade com a sua visão dos acontecimentos. Porquê? Porque vamos compreendendo que a sobrecarga de informação (televisiva e nos circuitos da Internet) pode também funcionar como uma máscara “natural” do mundo à nossa volta.
Tudo isso passa pela incrível composição de Claire Danes, definindo Mathison a partir de uma racionalidade obsessiva, sempre ameaçada pela vertigem mais surreal. No limite, gostaríamos de escapar à sua instabilidade, mas acabamos por descobri-la como a nossa imagem no espelho.