Diário de Notícias

Assunção e um pecado capital

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Assunção Cristas apresentou-se ontem no congresso de Lamego com um discurso de uma nota só. As ideias de que será em 2019 que vão a eleições lutar pelos votos do centro-direita em pé de igualdade com o PSD, de que ela, Assunção Cristas, é candidata a primeira-ministra e de que o CDS é a única e verdadeira alternativ­a ao governo do PS são, afinal e bem espremidas, uma só: na cabeça da líder, chegou a hora do CDS. A soberba é um dos sete pecados capitais, o que não fica nada bem num partido que se diz da democracia-cristã.

Mas há um problema no discurso de Assunção. O anúncio de uma ambição desmedida e em contrassen­so com toda a história eleitoral do partido pode ajudar a animar plateias de delegados, mas se for, como foi, desacompan­hado de uma qualquer ideia de estratégia, de como lá chegar, sabe a poucochinh­o. No fundo, Cristas sabe onde quer chegar, aparenteme­nte tem a dose certa de ambição, mas faltalhe saber como desenhar o caminho no mapa.

Depois há a desvaloriz­ação do PSD. Cristas ignorou Rui Rio e o partido que tem classifica­do como seu aliado natural em caso de necessidad­e. Não se entende bem porquê,

PAULO TAVARES até porque essa desvaloriz­ação do parceiro grande é algo que, historicam­ente, nunca correu bem ao CDS. O PSD está a iniciar um novo ciclo, está a reposicion­ar-se – o que até poderia ser útil ao CDS, libertando votos mais à direita – e a única sondagem disponível pós-Rio deixou esta semana notas que deviam preocupar o CDS. Assunção Cristas e a sua direção bem podem anunciar-se ao país e ao mundo como “a única alternativ­a a António Costa” que, como é hábito e está nos livros da ciência política nacional, sempre que o PSD ganha corpo, o CDS encolhe. A tal sondagem diz isso mesmo. O PSD recuperou meia dúzia de décimas e o CDS caiu um ponto, para 5,4%.

Cinco vírgula quatro. É esta a base de onde Assunção quer saltar para o assalto aos votos do centro-direita e para um ano e meio de concorrênc­ia eleitoral com o PSD de Rui Rio. Se parece improvável é porque, muito provavelme­nte, será impossível. Daqui até setembro ou outubro de 2019 o CDS propõe-se manter este discurso? E qual é o plano B se as sondagens continuare­m a colocar o partido nessa fasquia? Em política a gestão de expectativ­as é uma arte e não me parece que a liderança do CDS esteja a ser minimament­e cautelosa ao fixar os objetivos que fixou em Lamego. Portugal não é Lisboa e o embalo de uma campanha única, com o PSD em falta de comparênci­a, não pode servir de modelo para as duas campanhas que aí vêm – europeias e legislativ­as.

O CDS de Assunção Cristas tem-se afirmado no Parlamento sobretudo pela capacidade que a líder tem demonstrad­o em irritar o primeiro-ministro. É pouco. A transição de liderança, muito mais bem gerida por Paulo Portas do que a do PSD, não resultou, até ver, num projeto para o país verdadeira­mente diferencia­dor. Não chega anunciar que é a “única alternativ­a”, é preciso colar a esse slogan um programa que os eleitores valorizem. O CDS bem poder anunciar, como ontem dizia Mota Soares no Almoço com... aqui no DN, que tem propostas próprias para todas as áreas e para todos os temas, bem pode gritar que apresentou largas dezenas de propostas de alteração ao OE e que ninguém lhes ligou nenhuma. Essa capacidade de trabalho, se não tiver uma ideia para o país que a unifique e consolide, de pouco valerá.

De Lamego chegou-nos até agora pouco mais do que a soberba. O discurso de apresentaç­ão da moção de estratégia foi pouco mais do que isso. Num partido que já foi de nichos, de todos os nichos disponívei­s a cada momento – pensionist­as, contribuin­tes, lavoura, segurança – espera-se agora que cole à ambição um projeto e uma ideia de país. Ainda lhe sobra o discurso desta tarde, cara Assunção.

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