Diário de Notícias

Isto ainda não acabou

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Isto (as eleições em que ganham populistas, extremista­s e desequilib­rados em geral) ainda não acabou, mas isto (a União Europeia ou a Europa, simplesmen­te) ainda pode acabar mal. Depois das eleições francesas e holandesas, a Europa sossegou. O brexit, Le Pen (e Trump), afinal eram epifenómen­os. Coisas que acontecem. Entretanto, houve eleições na Alemanha com um impasse e a extrema-direita a ficar na liderança da oposição, e agora as eleições em Itália. Claro que se pode dizer que a Itália é governável mesmo sendo ingovernáv­el, de maneira que, pior ou melhor, a coisa se resolverá. E que na Alemanha haverá sempre uns neo ou pré-nazis a despontar. Isso acalma os ingénuos.

A ilusão, em partes de Bruxelas e nalgumas capitais, era a de que assim que a economia retomasse os cidadãos, felizes e com dinheiro na carteira, voltavam a acreditar no projeto europeu e podíamos retomar o curso interrompi­do. De resto, foi isso que estimulou algumas propostas mais neofederal­istas que têm surgido. HENRIQUE BURNAY

Acontecem, porém, duas ou três coisas. O dinheiro pode estar a regressar, mas a maior parte das pessoas percebeu que o futuro pode não ser só luminoso. A globalizaç­ão e digitaliza­ção da economia (irreversív­eis, é melhor que se diga) não são só alegrias (ainda que sejam muitas). A perceção, maioritari­amente muito injusta e errada, de que algumas das maiores ameaças estão cá dentro não ajuda nem um pouco. E portanto, se ninguém fizer nada, vai haver mais Itálias e Alemanha e por aí fora. De resto, se as coisas correrem mal a Macron, a história pode acabar muito, muito mal em França. Daí que?

Achar que os eleitores são ignorantes, perigosos ou egoístas pode reconforta­r alguns espíritos, ou ser uma grande desilusão para outros, mas resolve pouco.

Até às próximas eleições europeias os partidos que defendem sem hesitações as democracia­s liberais precisam de recuperar duas ou três ideias.

Primeiro: a Europa ou é dos Estados ou não será coisa nenhuma. A Europa federaliza­da, dos cidadãos, é uma construção de uns poucos. Segundo: os Estados membros têm de ser responsabi­lizados pelo que dizem e fazem. O Conselho tem de ser mais transparen­te e exigido aos governos que assumam o que defendem, o que conseguem ou não e quais são as contrapart­idas. Se os cidadãos não perceberem que negociar é fazer compromiss­os, os eleitores considerar­ão cada cedência uma traição. Terceiro: uma agenda política precisamen­te de compromiss­o. Criar maiorias e oposições no Parlamento, na Comissão ou, um dia, no Conselho é aumentar a divisão e a ideia de que há muita gente que está de fora. Por último, evitar o “eu bem vos avisei”. Há políticos que, para beneficiar do apoio dos descontent­es, basicament­e se limitam a dar-lhes razão sem oferecer um caminho. Dizem que mais vale serem eles a agarrar a bandeira da extrema-esquerda ou da extrema-direita. Como se o problema estivesse em quem diz e não no que é dito.

Ser europeísta hoje é dizer que a Europa é parte da solução. Não é o problema que tem de ser eliminado nem é um projeto que tem de ser construído à força. É um caminho.

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