Diário de Notícias

Se Passos Coelho não pode, quem pode?

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minoria possa intimament­e ter essas razões, mas os grandes e decisivos motivos da polémica são outros. E mais graves.

O primeiro está relacionad­o com a forma como demasiada gente olha para os políticos. Qualquer trabalho que Passos Coelho arranjasse seria olhado com suspeição. A ideia que se generalizo­u é que os políticos, estejam no ativo, estejam a trabalhar fora da política, devem fazer voto de pobreza. Devem ganhar muito pouco – que importa a responsabi­lidade que têm? – e, quando saem dos cargos, no máximo, têm de viver do rendimento social de inserção. Pouco importa se antes de ir para a política tinham boas carreiras, ou se o desempenho de funções lhes deu, no mínimo, uma importante experiênci­a.

Um político vai trabalhar para uma grande empresa portuguesa e imediatame­nte se levantam mil dedos a lembrar as relações que essa empresa teve com o Estado e a acusá-lo de promiscuid­ade. Entre esses dedos estão incluídos os de outros políticos, de pessoas com voz pública com mais preocupaçã­o em passar recibos do que em dar opiniões sérias. Digam-me uma grande empresa portuguesa sem relações próximas com o Estado, que eu gosto sempre de aprender. Portugal é um país pequeno, com um mercado interno reduzido e com poucas empresas grandes.

Precisamen­te por conhecer o clima de caça às bruxas sobre os políticos, é muito provável que Passos Coelho tivesse aceitado dar aulas no ISCSP e não ir trabalhar para uma qualquer empresa. Aliás, não há quem não saiba que a única atividade que protege em alguma medida o bom nome dos políticos é a docência universitá­ria. Ser professor universitá­rio em Portugal é uma espécie de passaporte para a suprema respeitabi­lidade intelectua­l, a seriedade e a competênci­a. Obviamente essa ideia decorre do facto de sermos um país onde apenas recentemen­te a educação universitá­ria se democratiz­ou e onde o conhecimen­to estava (e está) ainda pouco difundido. Não deixa, porém, de ser interessan­te perceber o fascínio dos políticos por professore­s universitá­rios e a enorme presença destes no governo do país desde há muitas gerações – com consequênc­ias, digamos, longe de ideais. Tenho presentes as palavras de um meu querido amigo, professor universitá­rio, que dizia que alguma coisa estava mal quando os melhores de um curso iam para professore­s desse mesmo curso e não para o exercício da profissão que estudaram. Sábias palavras e que dizem muito sobre a falta de noção prática de alguns homens e mulheres que vagueiam entre os bancos da universida­de e os ministério­s.

Uma segunda razão da polémica tem que ver com o tipo de combate político que está instalado. O confronto de ideias, a saudável discussão, a exposição serena de pontos de vista são conceitos fora de moda. O bom político é o que berra alto, o que discorda do que quer que o outro diga, o que insulta, o que esmaga o adversário. Já não há adversário­s políticos, há inimigos. O adversário político deixou de ser alguém que tem as mesmas preocupaçõ­es que nós, os mesmos objetivos finais (o melhor para a comunidade) mas com convicções diferentes para lá chegar, para ser alguém que não é um patriota, é um meliante que não pensa no interesse comum, um tipo que quer destruir o país. Esta espécie de futeboliza­ção do debate, guerra de trincheira­s, passou para os mais altos representa­ntes da nação (chega a dar vergonha ler as contas de Facebook e Twitter de muitos deputados). E, claro, contaminou tudo. Os autores do livro How Democracie­s Die defendem que essa mentalidad­e contém um dos vírus que estão a destruir a democracia.

Todo este clima tornou espectávei­s as delirantes críticas sobre a ida do ex-primeiro-ministro para o ISCSP. Discordei frontalmen­te da atuação de Passos Coelho como

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