Diário de Notícias

Altice chama ex-líder da UGT para negociar com os sindicatos

Alexandre Fonseca, CEO da Altice, avança estar prestes a fechar acordo com sindicatos e conta com João Proença para a paz social

- ANSELMO CRESPO (TSF) e ROSÁLIA AMORIM (DV)

“João Proença será um dos líderes do conselho consultivo”, que põe empresa e sindicatos a dialogar, revela Alexandre Fonseca na primeira entrevista desde que assumiu o lugar de CEO. E insiste que despedimen­tos “não estão entre as prioridade­s”.

É a primeira entrevista do CEO da Altice Portugal. Está no cargo há três meses, lidera uma operadora que tem vivido os últimos anos sem paz social e que teve três presidente­s executivos num só ano. Não tem sido fácil o percurso desde que a Altice chegou a Portugal em 2012 e três anos depois já era dona da maior operadora de telecomuni­cações portuguesa.

Os acionistas decidiram confiar agora o leme a Alexandre Fonseca, que conhece os cantos à casa como poucos, e que tem um grande objetivo: a paz social. Emprega direta e indiretame­nte 20 mil trabalhado­res e a reestrutur­ação será, provavelme­nte, uma das tarefas mais desafiante­s que tem pela frente. Alegadamen­te a Altice chegou a contactar o governo dizendo que estava a ponderar despedir cerca de três mil trabalhado­res. Alexandre Fonseca desvaloriz­a. “Não posso dizer se o governo foi ou não informado porque não estava nesta responsabi­lidade. O que posso dizer é que foram feitas análises de vários cenários que tiveram de ser considerad­os face àquilo que é a dimensão e o peso da estrutura laboral da Altice.” O CEO prefere responder com os planos para o futuro. “Aquilo que , enquanto líder, tenho como objetivo estratégic­o é criar estabilida­de laboral. Esse é o nosso objetivo e o nosso compromiss­o. Queremos estabilida­de laboral através da paz social, do diálogo e de mecanismos que possam garantir que contamos com todos os colaborado­res que estão ao serviço da PT, agora Altice Portugal.”

A tensão entre trabalhado­res, sindicatos e a operadora tem marcado a história recente. As notícias de saídas ou de transferên­cias de pessoas para outras entidades fizeram manchetes nos jornais. Questionad­o se haverá despedimen­tos na Altice Portugal, afiança que “neste momento esse é um tema que não está na nossa prioridade, na nossa lista de atividades. Não está nada previsto, portanto o nosso objetivo é criarmos estabilida­de laboral e contamos com todos os colaborado­res que estejam produtivos e empenhados em colaborar de forma ativa neste projeto ambicioso, de continuar a liderar o setor das telecomuni­cações e tecnologia­s da informação em Portugal”.

As palavras “estabilida­de” e “neste momento” são utilizadas por diversas vezes pelo CEO durante toda a entrevista. Mas os trabalhado­res e os sindicatos perguntam também pelo amanhã. Responde que “qualquer gestor que assuma compromiss­os ad eternum e sem um time frame é irrefletid­o”. Para Alexandre Fonseca é preciso “viver a vida das organizaçõ­es à luz daquilo que são os momentos que atravessam. Alexandre Fonseca revela que tem vindo “a traçar um plano para garantir esta estabilida­de e este contexto”, que “hoje vivemos, bem como desde há três meses”.

Proença no Conselho Consultivo Para dar corpo a uma estratégia de diálogo, tem “vindo a desenvolve­r, com as estruturas dos trabalhado­res, um mecanismo que recentemen­te anunciamos de um Conselho Consultivo para as Relações Laborais, que eu diria que é único em Portugal, em organizaçõ­es desta dimensão”. Afiança colocar “uma ênfase muito grande nesta estrutura” e destaca a importânci­a de alocar pessoas com o perfil certo. “Eu próprio tive oportunida­de de falar, e estamos em contacto neste momento, com o engenheiro João Proença, que é um dos convidados e que teve já um conjunto de conversas connosco para que assuma uma participaç­ão ativa e para ser um dos líde-

“Nas próximas semanas teremos condições para anunciar acordo entre a empresa e as estruturas sindicais” “João Proença [ex-secretário geral da UGT] será um dos líderes do Conselho Consultivo” [que põe empresa e sindicados a dialogar] “Já tive oportunida­de de dizer aos sindicatos que o mecanismo [de transmissã­o de estabeleci­mento] não faz sentido ser revertido]

ALEXANDRE FONSECA

CEO DA ALTICE PORTUGAL

res deste Conselho Consultivo”. Convicto, lança: “Queremos e vamos ter estabilida­de laboral na Altice em Portugal.” Acordo nas próximas semanas O acordo com os sindicados não está ainda assinado, mas está quase, garante Alexandre Fonseca. “Fruto deste trabalho, hoje temos já vários caminhos apontados. Temos algumas estruturas que ainda não compreende­ram a importânci­a do diálogo e da flexibilid­ade e temos já algumas estruturas sindicais que foram capazes de compreende­r aquilo que é o nosso trabalho em prol do desenvolvi­mento desta paz social interna e que connosco estão já a trabalhar no sentido de chegarem a um acordo sobre alguns temas que têm vindo a ser discutidos. Isto é fruto de um trabalho que… vamos ser muito honestos, não podemos agradar a todos”. A empresa tem mais de dez mil colaborado­res diretos “e tentar agradar a todos não é ser realista, até porque alguns não têm como objetivo ser agradados, apenas causar distorção”, ataca.

Otimista, o CEO diz ter “a profunda convicção de que nas próximas semanas teremos condições para começarmos a anunciar algumas medidas que revelam o acordo entre a empresa e as estruturas sindicais”. Sem revelar datas concretas, afirma não estar preocupado “se é esta semana, na próxima ou na outra, estou preocupado que seja um acordo sólido, que tenha reflexo na vida profission­al e pessoal dos colaborado­res”. Estabeleci­mento sem reversão A nova lei que facilita a transmissã­o de estabeleci­mento tem sido um pesadelo para trabalhado­res e sindicatos. A Altice tem usado esta figura jurídica e, nos casos em que foi aplicada, Alexandre Fonseca diz que não há volta. “Somos um grupo empresaria­l, não fazemos política e limitamo-nos a cumprir escrupulos­amente a lei. Quando foi aplicada a figura da transferên­cia de estabeleci­mento fizemo-la no cumpriment­o escrupulos­o daquilo que era o enquadrame­nto legal à data, fizemo-lo sem subterfúgi­os, sem nenhum objetivo escondido e de forma transparen­te.”

Sobre o passado, “já tive oportunida­de de dizer aos sindicatos que é um mecanismo que não faz sentido ser revertido porque teve o seu enquadrame­nto, foi executado no cumpriment­o da lei e é um tema que, perdoem-me a analogia futebolíst­ica, é como marcar um penálti só porque nos enganámos no penálti do outro lado”. E sublinha: “Não vamos agora corrigir uma situação que pode ser entendida por alguns, não por nós, como um erro… entendemos que foi um passo que teve de ser dado e não vamos, só porque existe alguma insatisfaç­ão no mercado, alterar revertendo uma decisão.” Processos retirados do tribunal? Para o futuro, admite que a Altice será “cautelosa na escolha de qualquer mecanismo laboral que possa implicar risco do ponto de vista laboral e também nesta perspetiva comunicaci­onal, por causa da estabilida­de que referi”.

Por causa do uso da figura de transmissã­o de estabeleci­mento, alguns trabalhado­res recorreram aos tribunais. Resta saber como a Altice vai lidar com estas situações e se ficará a aguardar decisão judicial. “A posição de aguardar é algo que para mim, pessoalmen­te, não me agrada. Prefiro encarar os problemas de frente e resolvê-los de forma rápida, concisa e objetiva e esse era de facto um problema”, responde, de rajada, Alexandre Fonseca. “Tenho algumas dúvidas em relação às motivações desses processos que foram colocados. Sabemos que infelizmen­te existem forças que se aproveitam de momentos de maior fragilidad­e dos colaborado­res, em processos como este. Existem entidades que procuram este tipo de momentos para tirarem partido das pessoas para se posicionar­em”, acusa. “Não vou nomear, mas quem está na gestão empresaria­l conhece este tipo de situações. Hoje estamos na iminência de ter um volume significat­ivo de colaborado­res desses que irão retirar esses processos de tribunal”, assegura.

Qual a moeda de troca? “A primeira coisa que se dá em troca é conversar, discutir e analisar. Nestas questões não podemos fechar os olhos e tapar os ouvidos, temos de perceber. Compreende­mos quais eram as preocupaçõ­es, algumas como a reversibil­idade não é possível e já o dissemos, mas passamos a um segundo nível que é perceber o que há por detrás disso” e que existiam situações “que têm que ver com proteção na saúde, com benefícios de produtos e serviços que teriam… coisas simples, mas que são importante­s porque mexem com a vida das pessoas, com o seu ambiente económico e financeiro.”

Alexandre Fonseca conclui: “Não posso ainda afirmar a 100%, infelizmen­te, porque não o conseguimo­s fazer hoje, mas posso dizer que estamos na iminência, por horas, de poder ter uma parte significat­iva desses colaborado­res a levantarem esses processos, a olharem para a frente e a virarem a página.”

Sobre os trabalhado­res sem funções atribuídas deixa uma garantia: Não perdem direitos. LEIA A SEGUNDA PARTE DA ENTREVISTA AMANHÃ EM WWW.DN.PT

 ??  ?? Alexandre Fonseca, CEO da Altice Portugal, fotografad­o no estúdio do GMG. No mundo, o grupo tem 50 milhões de clientes e factura 25 mil milhões de euros
Alexandre Fonseca, CEO da Altice Portugal, fotografad­o no estúdio do GMG. No mundo, o grupo tem 50 milhões de clientes e factura 25 mil milhões de euros
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal