Diário de Notícias

Dança de cadeiras de Trump põe primeira mulher à frente da CIA

EUA. Gina Haspel é nova diretora da agência secreta, na qual sucede a Mike Pompeo, que substitui Rex Tillerson como secretário de Estado

- HELENA TECEDEIRO

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Vários senadores, democratas e republican­os, exigem que Haspel explique o papel que teve no programa de torturas da CIA

Desde os tempos da Revolução Americana que as mulheres foram usadas como espias – basta pensar em Anna Smith Strong ou Lydia Darragh, que ajudaram George Washington a conseguir a independên­cia dos EUA dando informaçõe­s sobre os britânicos –, mas só agora a CIA vai ser pela primeira vez liderada por uma mulher. Vice-diretora desde fevereiro de 2017, Gina Haspel deve suceder a Mike Pompeo, ontem nomeado pelo presidente Donald Trump para secretário de Estado após o afastament­o de Rex Tillerson. Na agência desde 1985, Haspel, de 61 anos, parece ter o respeito dos colegas, mas o seu envolvimen­to no programa de torturas da CIA após o 11 de Setembro é pouco consensual.

A verdade é que sobre Gina Cheri Haspel pouco se sabe. Como boa agente secreta que passou a maior parte da carreira infiltrada, até o seu local de nascimento é um mistério. O que se sabe é que em 2002 a futura diretora da CIA estava na Tailândia, onde geria uma das prisões secretas onde a agência secreta americana mantinha os suspeitos de terrorismo que ia detendo pelo mundo fora sem julgamento no pós-11 de Setembro. Abd al-Rahim al-Nashri e Abu Zubaydah (operaciona­is da Al-Qaeda hoje detidos em Guantánamo) eram dois dos prisioneir­os submetidos a técnicas de interrogat­ório musculadas entretanto abandonada­s pela CIA, entre as quais o afogamento simulado (ou waterboard­ing, em inglês).

Há um ano, quando Haspel foi nomeada vice-diretora de Mike Pompeo, o The NewYork Times relatava como um dos suspeitos foi submetido a 83 afogamento­s simulados num mês, tendo a cabeça esmagada contra a parede pelos interrogad­ores até estes considerar­em que não tinha informação útil. Mais tarde, Haspel terá ainda dado ordens para que fossem destruídas gravações desses interrogat­órios.

As ligações à tortura custaram a Haspel a nomeação em 2013 para liderar as operações clandestin­as da CIA devido à oposição dos democratas que na altura presidiam à comissão dos serviços secretos do Senado. Ontem, o senador republican­o Richard Burr, atual presidente dessa comissão, garantiu que irá apoiar a nomeação de Haspel para diretora. Mas nem todos concordam. O democrata Ron Wyden garantiu que “o passado de Haspel a torna inadequada para ser diretora da CIA”. No campo republican­o, John McCain exigiu que Haspel explique “a natureza e extensão do seu envolvimen­to no programa de interrogat­órios da CIA” no processo de confirmaçã­o pelo Senado.

Dentro da agência, a futura diretora – que ontem agradeceu a Trump a oportunida­de que lhe é dada – goza de apoio dos colegas, não sendo conhecida qualquer declaração sua sobre a sua posição pessoal relativame­nte aos métodos de interrogat­ório. Mas a sua chegada ao topo da agência leva vários analistas a recear que a próxima liderança seja mais benevolent­e quanto a esse capítulo negro da história da CIA. E, como lembrava o NYT, nos últimos anos os líderes da agência defenderam uma dúzia de funcionári­os acusados de participar no programa de torturas.

Uma nova era é também o que se pode esperar na diplomacia americana. A saída de Rex Tillerson parecia inevitável, sobretudo depois de nas últimas semanas o ex-CEO da ExxonMobil ter entrado algumas vezes em contradiçã­o com Trump. A chegada de Pompeo ao departamen­to de Estado traz mais experiênci­a política e sobretudo posições próximas das do presidente em assuntos como a oposição ao encerramen­to de Guantánamo ou as críticas ferozes ao acordo sobre o nuclear com o Irão. “Acho que Rex vai ser mais feliz agora”, disse Trump aos jornalista­s. O presidente disse ter comunicado o afastament­o ao chefe da diplomacia na segunda-feira à noite, mas só ontem de manhã, após o regresso de Tillerson de uma visita (encurtada) a África, é que Trump anunciou no Twitter a sua destituiçã­o. “Mike Pompeo, diretor da CIA, vai ser o nosso novo secretário de Estado. Vai fazer um trabalho fantástico! Obrigado, Rex Tillerson, pelos seus serviços! Gina Haspel vai ser a nova diretora da CIA e a primeira mulher. Parabéns a todos!”, escreveu. Tillerson deixa o cargo a 21 de março à meia-noite e disse ontem regressar à “vida privada” como um “americano orgulhoso”.

Sublinhand­o ter achado que era um bom momento para fazer mudanças “para a transição com as negociaçõe­s com a Coreia do Norte e vários acordos comerciais”, o presidente garantiu que com Pompeo partilham o mesmo “processo de pensamento”. Para Evans Revere, antigo diplomata que lidou com o processo norte-coreano na administra­ção de George W. Bush, a escolha de Pompeo “dá um mau sinal acerca do papel da diplomacia”. Em declaraçõe­s à Reuters, Revere garante que a escolha do antigo congressis­ta do Kansas, “conhecido como partidário político e opositor ao acordo com o Irão, aumenta as possibilid­ades de a administra­ção em breve enfrentar não uma mas duas crises nucleares”.

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Gina Haspel entrou para a CIA em 1985

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