Diário de Notícias

Trump again

- FERREIRA FERNANDES JORNALISTA

Ontem,Trump despediu o seu chefe da diplomacia como a um aprendiz. E, também ontem, Georges Perec foi muito plagiado. Recapitula­ndo. O francês Perec publicou em 1969 um romance intitulado La Disparitio­n. Nas 300 páginas ele fez desaparece­r os “e”, não usou uma só vez a letra mais comum em francês. Ontem, os franceses quiseram homenageá-lo e participar­am na jornada de tweets sem“e”(até aqui, esta crónica já leva cerca de 50 “e”!). No Twitter, 140 carateres no máximo, esquecer uma letra é uma habilidade modesta. Mas num dia em que a notícia era “secretário de Estado Rex Tillerson despedido e Mike Pompeo nomeado”, como poupar nos “e”?Vou explicar, sou perito, já plagiei Georges Perec. Em 1978, ele publicou Je Me Souviens. E uma dúzia de anos depois, eu publiquei um livro com o mesmo título: Lembro-Me Que... O de Perec eram recordaçõe­s curtas e numeradas (são 480), sempre começadas como uma ladainha (“Je me souviens...”), lembrando a sua infância e juventude. Pílulas de memória comum porque cada uma delas trazia ao leitor os seus próprios fragmentos do passado (heróis efémeros, frases publicitár­ias, pedaços do quotidiano)... Recordação n.º 160 de Perec: “Lembro-me que os corredores ciclistas tinham uma câmara de ar de socorro enrolada em oito à volta dos ombros.”Também me lembro disso. E o meu Lembro-Me

Que... é um livrinho sobre os dias de 1974 que levaram ao 25 de Abril, também com factos do quotidiano, apresentad­os em

flashes curtos e precedidos pela mesma ladainha. Perec dedicou o seu livro ao americano Joe Brainard. Homenagem justa, pois o poeta Brainard andava, há anos, a publicar sucessivos I Remember, que em inglês quer dizer Je me souviens, que quer dizer o que leitor sabe.Também eu, no meu prefácio, revelava a sem vergonha de plagiar o método de Perec e de Brainard. Olhem este belo “I remember” de Brainard: “Eu lembro-me de quando a poliomieli­te era a pior coisa do mundo”... Ontem, no Twitter, eu escreveria sem um único “e”: “Trump again, pior não há.”

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