Diário de Notícias

O embargo do embargo do embargo

- JOÃO ALMEIDA MOREIRA JORNALISTA — em São Paulo

À s oito da noite do dia 6 de maio de 2009, uma quarta-feira, o estudante de Jornalismo de 26 anos Gilmar Yared chegava a uma igreja batista, em Curitiba, com um amigo. Após o culto, os dois jantaram hambúrguer­es e sumos numa lanchonete nas redondezas. Gilmar fazia tempo para encontrar Carlos Almeida, seu colega de faculdade, que trabalhava até essa hora como gerente de um cinema.

Luiz Carli Filho, deputado estadual no Paraná, também de 26 anos, começou a jantar à hora do início do culto batista num bar chique ali perto, com um tio, igualmente deputado, e três primos. À saída, encontrou o seu cardiologi­sta e reabriu a conta, pedindo mais quatro garrafas de vinho nas horas que se seguiram. Saiu aos tombos, diretament­e para o banco de trás do carro de uma amiga do médico. Mas, num repente, decidiu abrir a porta e pegar o próprio automóvel.

Bateu com ele na viatura onde Gilmar e Carlos esperavam o sinal verde a 170 km/hora. Gilmar e Carlos morreram na hora, corpos desfeitos. Luiz sobreviveu. A história fez capa da revista Época porque, nove anos decorridos, Luiz ainda não havia sido julgado.

Em outubro de 1992, uma rebelião de presos no Pavilhão 9 da Casa de Detenção de Carandiru, estabeleci­mento penitenciá­rio na cidade de São Paulo, motivou uma ação da Polícia Militar da qual resultou a morte de 111 detentos. Dias antes de se cumprirem 24 anos sobre a tragédia que passou à história como Massacre de Carandiru, um juiz decidiu anular as condenaçõe­s dos 74 agentes da polícia militar envolvidos. Nenhum deles, à exceção de um condenado noutro caso pelo assassínio de seis travestis, está preso.

“Não houve massacre, houve sim uma contenção necessária à imposição da ordem e da disciplina, tratou-se de legítima defesa”, disse o juiz Ivan Sartori, mesmo tendo em conta que os presos não transporta­vam armas.

O caso dos banco Marka e Fonte Cidam, que receberam em 1999 um auxílio do Banco Central (BC) que causou cinco mil milhões de reais de prejuízo aos cofres públicos, prescreveu em 2016 sem nenhuma condenação aos responsáve­is do BC na época.

A Operação Castelo de Areia, que em 2009 investigou crimes de corrupção entre políticos e construtor­as, acabou arquivada pelo Supremo Tribunal de Justiça dois anos depois sob o argumento de que havia partido de uma denúncia anónima – apesar de essa mesma corte, em 33 casos anteriores, ter permitido investigaç­ões com base em denúncias anónimas. Os responsáve­is da Operação Lava-Jato disseram que se a antecessor­a Castelo da Areia não tivesse sido arquivada, o país poderia ter poupado seis anos de novos desvios milionário­s.

Um procurador da Lava-Jato, aliás, publicou um livro em que cita exemplos reais da morosidade kafkiana e consequent­e benevolênc­ia com os réus no labirinto jurídico brasileiro – desde que esses réus tenham advogados de elite, claro. Eis um trecho: “(...) O agravo regimental nos embargos de declaração no agravo regimental no agravo em recurso extraordin­ário no recurso extraordin­ário no agravo regimental no agravo n.º1249838” (...). E outro: “(...) Os embargos de declaração nos embargos de declaração nos embargos de declaração no agravo regimental nos embargos de declaração no agravo em recurso extraordin­ário no recurso extraordin­ário no agravo regimental no agravo nº 1387499 (...).”

Por essas e por outras é que os apoiantes de Lula da Silva, julgado em tempo recorde a poucos meses das eleições, se revoltam – ainda para mais meses depois de os seus rivais Michel Temer e Aécio Neves terem visto arquivadas acusações pelos seus pares em Brasília.

A celeridade do julgamento de Lula deve, em vez de criticada, ser vista como um bom sinal, dizem os opositores do antigo presidente. Talvez. Bom sinal, sem dúvida, foi o julgamento, nove anos depois da tragédia, de Luiz Carli, o jovem deputado de família rica e influente de Curitiba, nos últimos dias de fevereiro. Por guiar a alta velocidade alcoolizad­o foi condenado por duplo homicídio, com dolo eventual, a nove anos e quatro meses de prisão. Mas vai recorrer. E em liberdade.

A celeridade do julgamento de Lula deve, em vez de criticada, ser vista como um bom sinal, dizem os opositores do antigo presidente

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