As expectativas que muitos alimentaram em Moscovo com a vitória de Trump sobre Hillary deram lugar a uma enorme desilusão
estratégico, a expansão da NATO (e o próprio alargamento europeu) transformou os antigos aliados da URSS – Polónia, Báltico, a “fidelíssima” Bulgária, a Ucrânia de Porochenko – numa frente apostada no confronto político e mesmo militar com a Rússia, e num ativíssimo lóbi antirrusso nas estruturas da NATO e da União Europeia.
A tensão com Moscovo deu mesmo uma nova razão de ser a uma NATO que atravessou diversas crises existenciais desde o colapso do antigo bloco Leste, e novos argumentos a Washington para exigir aos seus parceiros da Aliança – muitos deles reticentes em relação à política de confronto com a Rússia – uma disciplina estratégica reforçada e uma maior partilha do fardo da Defesa.
As expectativas que muitos terão alimentado em Moscovo com a vitória de Donald Trump sobre Hillary Clinton nas últimas presidenciais americanas deram lugar a uma enorme desilusão. A pressão dos setores mais duros do Congresso ou do Pentágono sobre a política russa da nova administração levaria a uma nova degradação nas relações entre Washington e Moscovo e as recentes mudanças na Casa Branca não prenunciam melhores dias. O “império do mal” O ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, Boris Johnson, chamou à Rússia, numa intervenção perante a câmara dos comuns a propósito do envenenamento de Serguei e Iulia Skripal, uma “força maligna e perturbadora” – uma tirada que faz longínquo eco ao “império do mal” lançado por Ronald Reagan no início dos anos 1980. Descontados o estilo pessoal do chefe do Foreign Office e os acentos propagandísticos em jogo, a tirada de Johnson é exemplar.
Do confronto geopolítico os contenciosos entre o Ocidente e a Rússia alastraram a outros domínios e alimentaram uma “guerra da informação” e uma implacável guerra de propagandas. O Ocidente aponta o dedo ao regime Putin e denuncia aquilo que considera violações sistemáticas da democracia e do Estado de direito na Rússia.Washington, Londres e outras capitais ocidentais acusam o Kremlin de tentativa de ingerência nas presidenciais americanas e nas eleições em vários países europeus. O regime de Putin é ainda acusado de cumplicidades com vários setores da extrema-direita europeia e de conluio com partidos e movimentos radicais antieuropeus. A Rússia é responsabilizada por campanhas de fake news e de ataques cibernéticos contra vários países ocidentais. Moscovo queixa-se de uma vaga de “russofobia” e de uma autêntica “histeria antirrussa” no Ocidente.
O duelo de recriminações estende-se mesmo a domínios como o desporto ou a cultura. As sanções antidoping que afastaram tantos atletas russos das competições internacionais vincaram bem uma imagem de isolamento da Rússia num dos domínios em que o país tinha maior prestígio internacional. Situação que os russos sentem aliás como uma discriminação, ditada por razões políticas, e que fizeram do desporto russo bode expiatório de práticas recorrentes em tantos outros países.
Neste clima, o próximo Mundial de Futebol da Rússia arrisca-se a ver-se transformado num evento de alto risco. Entre as medidas de retaliação pelo alegado envolvimento russo no caso Skripal, Theresa May defende que a família real britânica não deverá estar presente no Mundial. É um primeiro sinal.
A Rússia continua a ter um papel central nos cálculos estratégicos dos responsáveis dos Estados Unidos e da NATO e a representar um ator incontornável na cena internacional. O confronto com o Ocidente ameaça porém condenar a Rússia a um certo isolamento e mesmo à condição de “perturbador” da boa ordem internacional.