Diário de Notícias

Gestão mais eficiente da água para travar impactos climáticos

Portuguesa fala das restrições na Cidade do Cabo. Crise da água naquela região de África pode ser vislumbre do que aí vem

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FILOMENA NAVES Em casa de Lígia Fernandes, na Cidade do Cabo, África do Sul, não se se desperdiça uma só gota de água. “O duche dura dois minutos e meio, no máximo, e a água fica na banheira, para depois ir para o autoclismo”, conta ela. “Para lavar as mãos, ou a louça, só abrimos a torneira quando é preciso, e também fazemos o reaproveit­amento, num alguidar, para regar as flores do jardim.” É assim, com controlo apertado e muito reaproveit­amento, que ela e a família (são quatro em casa) conseguem cumprir à risca o limite dos 50 litros diários de água estipulado­s para cada habitante pelas autoridade­s municipais – o consumo médio diário por habitante em Portugal ronda os 200 litros, quatro vezes mais.

Lígia, que vive na Cidade do Cabo desde 1955, e é atualmente a representa­nte, naquela cidade sul-africana, no Conselho das Comunidade­s Portuguesa­s, nunca tinha vivido uma situação assim. “Os cientistas já tinham alertado há dez anos que isto poderia vir a acontecer, por causa da falta de chuva, mas nunca tínhamos chegado a este ponto”, garante.

O certo, porém, é que está a acontecer, e os quatro milhões de habitantes da cidade tiveram de se adaptar às restrições impostas pelas autoridade­s, sob pena de o chamado dia zero – aquele em que a água já não correrá nas torneiras – se cumprir, gerando uma cascata de situações incontrolá­veis.

Em janeiro deste ano, as autoridade­s municipais lançaram o alerta. Uma seca sem precedente­s, com três anos consecutiv­os de precipitaç­ão muito abaixo da média, associada a níveis de consumo insustentá­veis face à escassez de água faziam prever o fim da água nas torneiras da cidade em meados de abril deste ano.

Foi necessário pôr em prática um racionamen­to de emergência, com a restrição de 50 litros diários por cabeça, o que acabou por ter um impacto positivo. Embora o dia Zero continue a ser uma possibilid­ade, as autoridade­s esperam que as chuvas do inverno, a partir de junho, possam ajudar a resolver de vez o problema para este ano, com o recarregam­ento, pelo menos em parte, das albufeiras que abastecem a cidade.

“Desde que mantenhamo­s as restrições no consumo, conseguire­mos evitar o dia zero este ano”, anunciou o executivo municipal há semana e meia.

A portuguesa Lígia Fernandes também se diz confiante. “Tudo indica que se a chuva vier em junho, não vai acontecer nada de grave”, explica, notando, no entanto, que é necessário continuar com as restrições. “Temos de conseguir cumprir o limite dos 50 litros diários, até porque se o passarmos muito, a água é cortada”, esclarece. Quanto ao futuro mais a prazo acredita que as soluções que já estão a ser pensadas na Cidade do Cabo, como a construção de um novo grande reservatór­io para abastecer a cidade e a instalação de uma dessaliniz­adora para se usar a água do mar, vão ajudar a solucionar o problema a mais longo prazo.

De resto, ela e o marido, um empresário ligado à indústria pesqueira, têm planos para construir um reservatór­io próprio no telhado da sua habitação, de forma a contarem com uma reserva própria de emergência, por pequena que seja – muitas outras famílias na região poderão adotar soluções idênticas. Até porque as secas tendem a agravar-se nesta e noutras regiões do mundo por causa das alterações climáticas, e há mesmo quem diga que a crise da água que este ano se abateu com brutalidad­e na Cidade do Cabo é já um vislumbre do que poderá suceder em breve noutras regiões do mundo, sobretudo em cidades mais populosas, que assim se tornam ainda mais vulnerávei­s à mudança do clima e ao stress hídrico que ela traz.

Uma dessas regiões é o Médio Oriente, onde em muitos casos o único recurso acessível são as reservas de águas subterrâne­as fósseis (infiltrara­m-se há milhões, ou milhares, de anos e ficaram ali seladas) e que têm a desvantage­m de não ser renováveis. Em países como a Arábia Saudita, ou o Bahrein, essas reservas estão a ser exploradas a profundida­des cada vez maiores. Estudos recentes estimam que em 2025 a escassez hídrica vai agravar-se nesses países, caindo as disponibil­idade de água para metade das atuais, em 2050.

Os problemas, no entanto, não se cingem ao Médio Oriente. Também na América Latina, “Peru e México estão já a explorar as suas

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