Avisos de Marcelo e de Guterres na Comunidade Islâmica de Lisboa
Comunidade Islâmica de Lisboa (CIL) comemorou ontem 50 anos de vida com sessão na mesquita da capital. Marcelo Rebelo de Sousa agraciou-a com a Ordem da Liberdade
Celebrações da CIL juntaram Marcelo, Guterres e todos os antigos presidentes da República (na imagem, Jorge Sampaio)
JOÃO PEDRO HENRIQUES O tom geral foi de elogio ao “humanismo” da Comunidade Islâmica de Lisboa (CIL) mas o Presidente da República não se coibiu de deixar um aviso: “Consigam as futuras lideranças da comunidade respeitar e prosseguir o legado dos seus fundadores.”
A frase foi proferida ontem pelo Chefe do Estado na Mesquita de Lisboa, numa cerimónia comemorativa dos 50 anos da CIL. Concluindo a sua intervenção, Marcelo Rebelo de Sousa agraciou a CIL, na pessoa do seu presidente, Abdul Vakil, com a Ordem da Liberdade. Por aquilo que, no seu entender, a CIL tem representado de “entusiasmo pela mensagem de diálogo, ecumenismo, dádiva e paz, no fundo, de liberdade religiosa, de liberdade como um todo”, qualidades que, no seu entender, “caracterizam o islão em Portugal” e que tornaram “bem legítima” a condecoração atribuída.
Numa cerimónia em que participaram também o secretário-ge- ral das Nações Unidas, António Guterres, todos os antigos presidentes da República (Ramalho Eanes, Jorge Sampaio e Cavaco Silva), bem como o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, e o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, Marcelo saudou o papel da Mesquita de Lisboa na “integração de cidadãos de várias origens”. “O islão que aqui se vive é um islão da diáspora”, afirmou, depois de recordar que a CIL teve origem em muçulmanos oriundos de Moçambique – mas acolhendo agora não só pessoas já nascidas em Portugal mas também provenientes de várias partes do mundo e não apenas daquela ex-colónia portuguesa.
Para o Presidente, a CIL é “um exemplo importante” num mundo “onde grassam exemplos de incompreensão pelo próximo, que levam a extremismos e violência”. E isto por colocar “a tónica numa mensagem de paz, de abertura, de diálogo e de ecumenismo” e atuar “de forma concreta e empenhada na resolução de problemas sociais”.
Citando Fernando Pessoa, disse que “a alma árabe é o fundo da alma portuguesa, o que vai muito além de um conjunto de palavras de raiz árabe existente no nosso léxico”. “Com efeito – prosseguiu –, a presença árabe e a herança islâmica permitiram que se desenvolvesse um espírito ecuménico e de abertura entre os portugueses, que resulta de uma convergência de diferentes culturas e credos.” Além do mais, o princípio da liberdade religiosa consagrado na Constituição está “irreversivelmente enraizado” na sociedade portuguesa – e “negá-lo é negar a nossa natureza”.
Num momento posterior da sessão foi a vez de António Guterres intervir. Num aviso tendo já como alvo a sociedade portuguesa em geral, o secretário-geral da ONU diria: “Não devemos ter ilusões. Às vezes há a ideia de que os outros europeus são maus e nós somos bons. Não é tanto assim. Em Portugal também há manifestações de racismo, xenofobia, também há formas de antissemitismo e de ódio antimuçulmano”.
Porém, ressalvou, “felizmente que apesar de tudo tem havido algum investimento no sentido de evitar que essas manifestações penetrem no centro da nossa vida política” e isso “distingue Portugal de outros países europeus, onde tal veneno já atingiu o centro de decisão política”. Há no entanto que não confiar demasiado: “Este investimento no pluralismo e na coesão tem de ser continuado e com uma grande persistência.”
Para o secretário-geral da ONU, “a diversidade é uma fonte de riqueza, não é uma ameaça [mas]só por si não garante a harmonia de uma sociedade”. Para que haja “efetivo pluralismo e uma coesão”, tem de haver “um grande investimento”, envolvendo governos, autarquias, líderes religiosos e sociedade civil.
Baseando-se numa experiência pessoal no Irão enquanto chefe do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), Guterres atestou que, nas boas práticas de acolhimento de refugiados, “não há nada que não esteja no islão desde o princípio”. Por exemplo, “a proteção conferida aos crentes e não crentes”.