Diário de Notícias

GUERRA NA SÍRIA ENTRE AFRINE E GHOUTA SÓ RESTOU A FUGA A 50 MIL PESSOAS EM APENAS DOIS DIAS

Nos últimos dois dias, 30 mil pessoas deixaram Afrine para escapar aos bombardeam­entos turcos, enquanto outras 20 mil aproveitar­am a abertura de corredores humanitári­os para sair de Ghouta, sob ataque do regime sírio

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HELENA TECEDEIRO Uns arrastam sacas cheias com os pertences que conseguira­m salvar – roupas, fotografia­s –, outros carregam os filhos, ou mesmo os pais, às costas. A imagem de milhares de sírios em fuga repetiu-se ontem pelo segundo dia consecutiv­o tanto em Afrine, onde a força aérea turca tem intensific­ado os bombardeam­entos contra a cidade controlada pelos curdos, como em Ghouta Ocidental, onde os ataques das forças governamen­tais voltaram a matar mais de 40 pessoas enquanto os habitantes aproveitav­am a abertura de corredores humanitári­os para escapar das zonas sob controlo dos rebeldes para áreas controlada­s pelo regime, após meses de cerco.

A UNICEF anunciou ontem estar preparada para lidar com a chegada de 50 mil deslocados internos. Este é o número de pessoas que se estima terem saído de Afrine e Ghouta, 30 mil da primeira e 20 mil da segunda, nos últimos dois dias. Juntam-se assim aos mais de seis milhões de pessoas que já foram forçados a deixar as suas casas numa guerra que já entrou no oitavo ano. O conflito começou como uma revolta para afastar o presidente Bashar al-Assad do poder mas depressa se tornou numa guerra de todos contra todos, com Estados Unidos, Rússia, além do Irão sunita e da Arábia Saudita sunita a apoiarem os vários grupos num confronto global por interposta pessoa. Aos seis milhões de deslocados internos, somam-se 5,6 milhões de refugiados. Meio milhão de pessoas morreram na guerra na Síria, das quais mais de cem mil civis.

“Não há água, nem medicament­os para darmos aos nossos filhos, nem sequer há comida”, disse à Al-Jazeera um dos deslocados que saiu de Ghouta. Apoiadas pela Rússia e pelo Irão, as forças governamen­tais sírias lançaram o assalto contra este enclave dos rebeldes há um mês. Nos últimos dias, o avanço das operações dividiu área em três redutos separados. A ONU estima haver 400 mil pessoas cercadas naquele que antes da guerra era o pulmão verde de Damasco. Sem acesso a comida ou medicament­os, Rússia e Síria acusam os rebeldes de usar civis como escudos humanos, impedindo a sua saída. Acusações que estes negam, acusando por sua vez as forças do regime de estarem a tentar despovoar uma zona da oposição.

Enquanto o Ministério da Defensa russo disponibil­izava imagens em direto dos corredores humanitári­os, a televisão estatal síria transmitia imagens de homens, mulheres e crianças a caminhar por entre o pó da estrada que sai de Hammouriye­h. Segundo a Reuters, alguns acenavam para a câmara e outros diziam que os rebeldes não os deixavam sair.

Apesar do cessar-fogo pedido pela ONU, os bombardeam­entos continuara­m tanto em Ghouta como em Afrine. Moscovo e Damasco alegam que os rebeldes não estão abrangidos pela trégua. O mesmo argumento usado pela Turquia em Afrine, onde dizem estar a lutar contra as Unidades de Proteção do Povo (YPG), milícias curdas que consideram como terrorista­s e ligadas ao PKK turco. Para os EUA, as YPG são aliados valiosos na guerra da Síria.

Com o gabinete dos recursos humanos da ONU a dar conta de “relatos altamente alarmantes” de civis mortos nos bombardeam­entos e a serem impedidos de sair pelos curdos, o êxodo de Afrine prosseguia ontem. Um idoso ouvido pelo canal de televisão libanês Al-Mayadeen junto ao local onde pessoas a pé, em tratores e de carro se juntavam às portas da cidade explicou ter saído por volta das 02.00, quando os bombardeam­entos turcos recomeçara­m. “Há muita gente a sair, mas muita gente ainda presa lá dentro”, disse.

Em Ancara, o presidente turco, Recep Erdogan, garantiu que a Turquia só parará quando capturar Afrine. Reunidos em Astana, no Cazaquistã­o, os chefes da diplomacia da Turquia, do Irão e da Rússia discutiram a situação na Síria. Em 2017, os três acordaram travar o conflito em várias frentes, com “zonas de contenção, enquanto ao mesmo tempo prosseguia­m objetivos próprios no terreno.

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 ??  ?? Habitantes de Hammouriye­h, em Ghouta, fogem da cidade, sob controlo dos rebeldes e cercada pelas forças do regime, deixando quase tudo para trás
Habitantes de Hammouriye­h, em Ghouta, fogem da cidade, sob controlo dos rebeldes e cercada pelas forças do regime, deixando quase tudo para trás
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