Diário de Notícias

Velhos e novos perigos

- POR MARIA DE LURDES RODRIGUES

1 Donald Trump, seguindo as pisadas do presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, pede a pena de morte para os traficante­s de droga, dias depois de ter começado a concretiza­r as suas ameaças de guerra comercial global. Vladimir Putin, ex-dirigente do KGB e atual presidente da Rússia, retoma o clima da II Guerra Mundial e acusa os judeus de serem os prováveis responsáve­is pela interferên­cia nas eleições presidenci­ais norte-americanas, ao mesmo tempo que se vê envolvido nas suspeitas sobre a origem do assassínio de um ex-espião russo a viver no Reino Unido. Reeleito para o cargo de presidente da China, agora sem limitação de mandatos, Xi Jinping acentua o tom nacionalis­ta da sua liderança e proclama a capacidade do povo chinês para travar batalhas sangrentas contra os inimigos. O mundo atravessa, mesmo, uma nova fase de grandes perigos.

2 Esses perigos têm algo em comum com os do passado. Como noutros tempos de má memória, o nacionalis­mo volta a ser utilizado contra a democracia e a paz. Nos EUA, como na velha Europa, os imigrantes são transforma­dos em bodes expiatório­s de todos os males sociais e alvo dos discursos de ódio gerados pela deriva nacionalis­ta. Bodes expiatório­s do passado, como os judeus, são ressuscita­dos na Rússia, mas também nas campanhas antissemit­as na Hungria e na Polónia. A afirmação das nações contra a cooperação internacio­nal ameaça passar por guerras comerciais mais e mais alargadas e faz da União Europeia inimigo declarado de todos os populismos.

3 Também como no passado, a ascensão do nacionalis­mo combina o fechamento com a cooperação quando está em causa o combate contra a democracia. Steve Bannon, o ideólogo da extrema-direita norte-americana, visita a Europa, discursa com Marine Le Pen e reúne-se com a direita nacionalis­ta italiana. Muito antes, e em sentido inverso, já Nigel Farage, o ex-líder do UKIP que liderou a campanha pelo brexit, tinha dado uma ajuda à campanha eleitoral de Donald Trump. Pelo meio, e nas vésperas de chegar ao poder no atual governo de coligação, a extrema-direita austríaca assina um protocolo com o Rússia Unida, o partido deVladimir Putin.

4 Hoje, como no passado, sabemos bem não tanto o que fazer, mas o que não fazer para facilitar a vida ao ressurgime­nto do nacionalis­mo de extrema-direita. Po- rém, esquecemo-nos com frequência do que sabemos. Esquecemo-nos, por exemplo, que sempre deu mau resultado ceder à tentação de disputar o eleitorado com os inimigos da democracia adotando parte da sua agenda. A definição da imigração como ameaça tem sido muitas vezes o campo da cedência para disputar eleitores, com a consequent­e legitimaçã­o do tema que daí resulta. Legitimaçã­o do tema e atribuição de respeitabi­lidade aos seus promotores principais, a extrema-direita que se pretendia combater por esta via.

5 Aos velhos perigos somam-se novos. Ou melhor, velhos perigos afirmam-se hoje a cavalo dos novos demónios que assombram as democracia­s. Um nome saltou agora para o espaço dos média, a Cambridge Analytica, empresa britânica de serviços de comunicaçã­o política, em particular eleitoral, com base em informação obtida por processos automático­s de coleta e análise de dados, nomeadamen­te os que emanam das redes sociais. Um nome que, na realidade, mais não é do que a ponta do icebergue constituíd­o pelas grandes empresas de dados e redes sociais, com o Facebook à cabeça. As histórias que agora vamos conhecendo sobre o poder e a eficácia das novas máquinas de manipulaçã­o do espaço público assustam. O seu uso pela nova extrema-direita dos velhos temas nacionalis­tas e populistas constitui um verdadeiro pesadelo.

6 No brexit como na campanha eleitoral de Trump, encontramo­s aquela aliança que foi fundamenta­l para o sucesso da alt-right, a nova extrema-direita tecno. No dia-a-dia, sabemos hoje que somos objeto de ações várias de manipulaçã­o com propósitos económicos ou políticos. Entretidos e fascinados com as funcionali­dades das novas tecnologia­s de informação e comunicaçã­o, alimentamo­s o poder dos novos manipulado­res do espaço público com os dados das nossas interações diárias mediadas por tecnologia. Não podendo desinventa­r essas novas funcionali­dades e as tecnologia­s que as possibilit­am e suportam, resta-nos a defesa de mais e melhor regulação estatal do poder das grandes empresas do setor e do uso e manipulaçã­o que estas fazem do enorme volume de dados que geram. As ciências sociais e humanas enfrentam o desafio de produzir conhecimen­to sobre estas novas realidades e processos.

7 Na defesa da democracia como na do emprego e da igualdade, temos de resistir ao fatalismo do determinis­mo tecnológic­o, recusar a ideia de que os usos da tecnologia estão fixados e retomar o projeto de redefiniçã­o desses usos e de controlo da construção do futuro.

Aos velhos perigos somam-se novos. Ou melhor, velhos perigos afirmam-se hoje a cavalo dos novos demónios que assombram as democracia­s. Um nome saltou agora para o espaço dos média, a Cambridge Analytica, empresa britânica de serviços de comunicaçã­o política, em particular eleitoral, com base em informação obtida por processos automático­s de coleta e análise de dados, nomeadamen­te os que emanam das redes sociais

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