Diário de Notícias

O Capitão: o poder da farda em 1945, o poder das fardas hoje

Cinema. Estreia-se amanhã o filme de Robert Schwentke sobre um período menos conhecido do final da II Guerra Mundial na Alemanha. O DN lançou o debate com a Leopardo Filmes

- MARINA ALMEIDA

A noite ia longa e a semana estava a começar, mas, apesar disso, foram muitos os espectador­es da antestreia do filme O Capitão que ficaram para o debate na segunda-feira, após a projeção. A história de Willi Herold, um jovem soldado alemão que encontra uma farda de um oficial nazi em abril de 1945 e perpetra um massacre dos seus pares a duas semanas do fim da guerra. Um filme sobre guerra, sobre homens, sobre sobrevivên­cia. Dá que pensar. E que falar.

No palco do cineteatro do cinema Monumental, em Lisboa, estavam a historiado­ra Irene Pimentel, o coordenado­r da imprensa, política e protocolo da Embaixada da República Federal da Alemanha, Holger Klitzing, a deputada do PSD Rubina Berardo (de ascendênci­a alemã) e o crítico de cinema do DN Rui Pedro Tendinha para um debate com a moderação de Leonídio Paulo Ferreira, subdiretor do DN.

Coube a Holger Klitzing abrir a conversa. Frisando que as opiniões ali expressas são pessoais, disse que O Capitão toca em duas questões importante­s: “Como foi possível tantos horrores e como foi possível que o regime sobrevives­se tanto tempo depois de ser claro para todo o mundo que a derrota estava iminente?” Enquadrou com o facto de o próprio regime impor uma certa normali- dade, com os salários sempre pagos a tempo e horas e os cinemas sempre a funcionar, por exemplo. “Havia uma confiança nas autoridade­s, na burocracia.” Acentuou ainda o recurso ao humor e ao grotesco, com que o realizador e argumentis­ta Robert Schwentke consegue arrancar gargalhada­s à plateia.

Irene Pimentel entende que o filme está “muito bem feito”. O nacional socialismo não foi algo unificado mas “uma policracia com diferentes poderes que lutaram entre si”, referiu aludindo ao filme em que o foco está nos perpetrado­res. A historiado­ra referiu que o estudo dos perpetrado­res é dos que mais estão a ser feitos atualmente e que se deve falar deles: “Eles andam aí.”

Willi Herold (interpreta­do por Max Hubacher) é um jovem soldado que começa a história em fuga e a roubar para comer. Com a farda nazi, vai liderar uma pequena força de seis militares e conduzir à morte de dezenas de soldados alemães como ele. Como todos eles. Rubina Berardo chama a atenção para este “poder do uniforme” e põe o filme sobre 1945 em perspetiva: “É muito importante para o debate na Alemanha”, uma Alemanha que tem “como principal partido político em 2018 o AfD, que nega o Holocausto.” Este não é um filme sobre o passado nem apenas um filme sobre a Alemanha, “interpela atualmente”, diria, a partir da plateia, Luísa Meireles.

A deputada do PSD, que tem origens familiares naquele país, junta uma outra perspetiva à discussão: “Os meus avós não falavam, aquela geração não falava” nestas questões. “Ficamos a pensar sobre o que não foi dito, o que é que os nossos fizeram?”

O jornalista Rui Pedro Tendinha assistiu à estreia mundial de O Capitão no Festival de Cinema de Toronto e, na altura, conversou com o realizador e argumentis­ta alemão. “Schwentke queria muito contar a história deste homem. Ele não percebia como é que nos anos 2000 ainda havia um tabu, o receio de que pudesse chocar a Alemanha.” Para o crítico de cinema, O Capitão vai lançar o debate na Europa, onde está a ter estreia simultânea.

Holger Klitzing discorda. “Parece chocante em termos das imagens mas não do assunto, porque aqueles crimes cometidos contra alemães no fim da guerra são conhecidos há muitos anos, foram os primeiros a ser tratados pelos tribunais na Alemanha Ocidental”, referiu. “São crimes minúsculos em comparação com o Holocausto.” O que é novo neste filme “são os elementos de comédia, de absurdo, de grotesco. Não é o facto de ser um filme sobre a Segunda Guerra Mundial”.

Klitzing lembrou outros filmes feitos sobre a Alemanha e a II Guerra Mundial desde os anos 1950, com focos específico­s, muito focados nos nazis de topo. “Nos últimos tempos as coisas mudaram”, disse. “É importante olhar para todos os homens e mulheres que contribuír­am de uma maneira ou de outra, numa altura eram perpetrado­res, noutra eram vítimas”, referiu. Rui Pedro Tendinha lembrou outros filmes sobre o tema, como A Queda (2004, Oliver Hirschbieg­el), sobre as últimas horas de Hitler, e referiu que Christian Petzold apresentou no Festival de Cinema de Berlim Transit, que mostra “a França ocupada no tempo da II Guerra Mundial mas nos nossos dias”.

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Rubina Berardo, Irene Pimentel, Holger Klitzing, Rui Pedro Tendinha e Leonídio Paulo Ferreira

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