Sarkozy shakespeariano
Nicolas Sarkozy passou a noite detido numa esquadra de Nanterre, nos arredores de Paris. Juízes interrogam-no e, em 48 horas, se irá saber se o ex-presidente francês vai ser levado a tribunal ou não. Suspeita-se que a sua campanha eleitoral de 2007 tenha sido paga pelo governo líbio de Kadhafi. A ter sido, um caso de financiamento ilegal, acrescido de uma daquelas ironias cruéis de que a história é fértil... Depois de ter ganho as eleições, Sarkozy mostrou-se um bom aliado, ou simplesmente grato aos seus benfeitores. A França reintroduziu Kadhafi na cena internacional depois de anos de isolamento por os serviços secretos líbios terem sido implicados num atentado de um avião civil (Lockerbie, Escócia, 270 mortos). Na esteira da reaproximação, Sarkozy recebeu o “guia” líbio e a sua célebre tenda, em visita oficial a Paris. Mas a lua-de-mel iria acabar depressa e mal. Em 2011, rebeldes líbios tentaram derrubar o regime e, surpreendentemente, Sarkozy aparece, então, como o líder europeu mais interessado na queda de Kadhafi. Uma coligação franco-britânica bombardeia as forças leais e Kadhafi é assassinado. Já nessa altura, fiéis do líder e um dos seus filhos acusaram Sarkozy de deslealdade e denunciaram a operação militar que a França comandou como uma manobra para esconder os financiamentos clandestinos de 2007. Dentro de horas saberemos se os juízes consideram verosímil essa hipótese. A intervenção francesa contra Kadhafi, tal como foi feita, desestabilizou a região e pôs vários países africanos de pantanas – mas isso é mero crime geoestratégico. A ambição sem princípios, cupidez e deslealdade – que é do que Sarkozy é, no fundo, suspeito – são mais atraentes de se falar. Lady Macbeth é heroína dos palcos há vários séculos.