Diário de Notícias

Um tweet criminoso

- JOÃO ALMEIDA MOREIRA JORNALISTA

Conheçam o novo mito da esquerda: engravidou aos 16 anos, ex-esposa do [traficante] Marcinho VP, usuária de maconha, eleita pelo [grupo criminoso] Comando Vermelho, exonerou recentemen­te seis funcionári­os mas quem a matou foi a polícia militar...”

Esta mensagem de Twitter a propósito da execução de Marielle Franco seria apenas mais uma boçal calúnia, das tantas disseminad­as pelas redes sociais na era da democratiz­ação da estupidez, se não fosse da autoria de um deputado federal da nação.

E mesmo depois de admitir que se enganou na idade da gravidez da vereadora carioca (foi aos 19 e não 16, como dezenas de jornais noticiaram pelo mundo em extensos perfis); de concordar que era impossível, por questões básicas de tempo e de espaço, que Marielle e o traficante Marcinho VP alguma vez sequer se tivessem cruzado; e de reconhecer que quase todos os votos que ela recebeu na eleição vieram da Maré, que não é controlada pelo Comando Vermelho, e dos bairros de classe média da zona sul carioca, o deputado Alberto Fraga, eleito pelo Democratas, disse não se arrepender do seu festival de equívocos criminosos em menos de 280 caracteres.

Fraga ficou relativame­nte conhecido do grande público por causa de uma gravação de 2007, mas divulgada só no ano passado pela TV Globo, em que pedia subornos a uma empresa de microautoc­arros, na qualidade de secretário dos Transporte­s do Distrito Federal. No áudio, queixava-se também de estar a receber menos dinheiro de comissões ilegais do que o seu subsecretá­rio. Confrontad­o com a gravação, disse que era tudo brincadeir­a.

Réu em quatro processos no Supremo Tribunal Federal, por peculato, concussão, falsidade ideológica e porte ilegal de arma e de munições de uso restrito, Fraga é um dos líderes da supraparti­dária Bancada da Bala no Congresso Nacional, cuja principal causa é a facilitaçã­o de aquisição de armas de fogo pela população. As duas patrocinad­oras oficiais das campanhas dos parlamenta­res da Bancada da Bala, com cerca de 500 mil euros investidos só na eleição de 2014, são as líderes de mercado no setor das armas Taurus-Forjas e Companhia Brasileira de Cartuchos. Segundo os investigad­ores, foi esta última que fabricou, e vendeu ao estado em 2006, as balas que mataram Marielle e o motorista Anderson Gomes.

Em resumo, as balas que mataram Marielle são as balas que elegeram Fraga.

Além de Fraga, que é polícia reformado, outro polícia, de Pernambuco, uma juíza desembarga­dora, do Rio, e o Movimento Brasil Livre, grupo que liderou em São Paulo manifestaç­ões pelo impeachmen­t de Dilma Rousseff, espalharam mentiras em massa no Twitter, no Facebook e em correntes intermináv­eis de WhatsApp sobre Marielle. Defensores de lemas como “bandido bom é bandido morto” e “menos direitos humanos e mais humanos direitos”, para eles a imagem da vereadora, defensora dos direitos humanos, é alvo a abater “por se preocupar mais com a morte de criminosos do que com a morte de polícias em serviço”.

Foi necessário Rose Vieira, mãe de um agente morto em serviço em 2012, vir a público ao portal G1 desmenti-los. “Deparei-me com ela na Comissão dos Direitos Humanos: ela pegou o número do inquérito que depois virou processo, ajudou com um abraço, com acolhiment­o, com palavras amigas e com preocupaçã­o genuína com a família; só para se ter uma ideia, ela não tinha carro nessa altura, nem era ainda vereadora, mas fazia questão de ir do Rio a Duque de Caxias de comboio para não faltar a nenhuma audiência, quem mais é que faria isto? Ela resolvia, ela era imbatível.”

Fraga, assustado com a repercussã­o negativa da sua mentira, acabou por apagar o tweet – mas antes, como as mensagens do outro polícia, da juíza desembarga­dora e do Movimento Brasil Livre, já havia causado o estrago desejado através de milhares de comentário­s positivos, milhares de partilhas, milhares de likes.

Esses milhares de caluniador­es, que não respeitam nem o cadáver nem a memória de uma mulher barbaramen­te assassinad­a, podem chegar ao poder em outubro: afinal, excluído o provável inelegível Lula, é Jair Bolsonaro, colega de Fraga na Bancada da Bala, quem lidera destacadís­simo as sondagens.

Esta mensagem de Twitter a propósito da execução de Marielle Franco seria apenas mais uma boçal calúnia, das tantas disseminad­as pelas redes sociais na era da democratiz­ação da estupidez, se não fosse da autoria de um deputado federal da nação

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