Diário de Notícias

Independen­tes asseguram pensões mais altas com o mesmo desconto

Novo regime contributi­vo baixa a taxa de desconto de 29,6% para 21,4%, mas permite que se desconte sobre valores mais elevados, o que no futuro abre caminho ao pagamento de pensões de reforma de montante mais alto

- LUCÍLIA TIAGO

O novo regime contributi­vo dos trabalhado­res independen­tes reduz a taxa de desconto, mas abre caminho para que os que têm rendimento­s mais altos venham a receber, no futuro, pensões mais elevadas. A diferença explica-se pelo facto de as novas regras aumentarem a parcela de rendimento sobre a qual os descontos são calculados. No imediato a receita do Estado até pode subir, mas a fatura futura não compensa, alertam especialis­tas.

No regime que ainda vigora, os descontos são feitos com base no sistema de escalões onde cada trabalhado­r se posiciona em função dos rendimento­s obtidos no ano anterior. Desta forma, um profission­al liberal que passe recibos verdes no valor anual de 100 mil euros paga 1115 euros de contribuiç­ões. Este montante resulta do cruzamento de uma taxa de 29,6% (a que ainda vigora) com o posicionam­ento no escalão de rendimento correspond­ente e que neste caso pode ser o que está balizado nos 3481 euros (oito IAS – indexantes de apoios sociais). Sendo assim, sublinha Luís Leon, da consultora Deloitte, e se se considerar uma carreira contributi­va com estes valores, significa que no futuro esta pessoa terá direito a uma pensão de cerca de 2744 euros.

Com as novas regras – que já entraram oficialmen­te em vigor, mas que apenas começarão a ter aplicação prática de janeiro de 2019 em diante – esta mesma pessoa irá descontar 21,4% sobre o equivalent­e a 12 IAS (5146 euros), ou seja, cerca de 1101 euros por mês, mas se os pressupost­os não se alterarem, assegurará uma pensão a rondar os quatro mil euros.

“No imediato, as pessoas não vão pagar muito mais por mês – em alguns casos até pagarão um pouco menos –, mas ganham o direito a uma pensão de valor mais alto no futuro”, acentua Luís Leon, sublinhand­o que este encontro de contas, cruzado com o envelhecim­ento da população, vai criar ainda mais pressão sobre o sistema previdenci­al.

Jorge Bravo, professor na Informatio­n Management School da Universida­de Nova de Lisboa e especialis­ta em pensões, dá nota dos riscos de aumento dos encargos futuros. O problema, afirma, é que as análises são feitas no curto prazo. “Se os salários estão a aumentar, significa que há mais contribuiç­ões mas que também se estão a constituir mais direitos para o futuro e, se o sistema estiver a pensar cumpri-los, isso implicará mais despesa”, alerta.

Quando os rendimento­s são mais elevados, a base de desconto também aumenta e, ainda que a taxa de desconto seja menor, a nova arquitetur­a “vai contribuir para que se adquiram mais direitos”. Estes direitos traduzem-se nas pensões de reforma, mas também em outras prestações sociais, como o subsídio de desemprego ou a assistênci­a na doença. Contas feitas, no curto prazo, o efeito, em termos de receita fiscal, até pode ser positivo, mas no futuro a fatura da Segurança Social aumenta e pode não compensar.

Luís Leon acrescenta que esta mesma lógica foi adotada em 2014 quando o Orçamento do Estado acabou com o limite dos descontos dos gestores e administra­dores de empresas. A partir desse ano, estes profission­ais passaram a contribuir sobre o valor das remuneraçõ­es efetivamen­te auferidas, deixando de estar limitadas a 12 IAS. Este teto fazia entrar menos dinheiro por mês nos cofres da Segurança Social, mas também travava o valor das suas pensões no futuro.

O partner da Deloitte assinala ainda a contradiçã­o entre estas decisões e o perfil dos fundos privados de pensões, que procuram cada vez mais avançar de um modelo de benefícios definido para outro de contribuiç­ão definida. Portugal tem sido um dos países da União Europeia que mais alterações têm feito ao sistema de pensões, nomeadamen­te no que diz respeito à conjugação da idade de saída para a reforma com o aumento da esperança média de vida.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal