Diário de Notícias

TRIBUNAL CONTRARIA SEF EM CASOS DE PEDIDO DE ASILO DE VENEZUELAN­OS

Violência, perseguiçã­o política e crise social não foram devidament­e tidas em conta pelo SEF, conclui Tribunal Administra­tivo do Sul

- DAVID MANDIM

Silvia, cidadã venezuelan­a, pediu asilo a Portugal para si e para o filho de 2 anos mas o Serviço de Estrangeir­os e Fronteiras (SEF) recusou, em agosto do ano passado. Esta decisão foi anulada pelo Tribunal Central Administra­tivo do Sul, o mesmo que em agosto passado proferiu um acórdão semelhante relativo a um homem da Venezuela que alegou ser vítima de violência e perseguiçã­o política no seu país. Em ambos os casos, referentes a pessoas de nacionalid­ade venezuelan­a, com estatuto diferente dos 300 mil lusodescen­dentes, o tribunal alega que a situação na Venezuela justifica que os pedidos de asilo sejam analisados de outra forma pelo SEF. Neste último acórdão de 23 de fevereiro os juízes apontam que, com base na “informação que tem vindo a público sobre a falta de comida, de medicament­os, a difícil situação política e socioeconó­mica e a crescente violência que ali se vive na Venezuela”, a decisão do SEF “está errada”.

No processo de Silvia há antecedent­es que poderão ter influencia­do a recusa do SEF, validada por uma decisão em primeira instância no Tribunal Administra­tivo de Círculo de Lisboa, agora revista. A mulher foi detida em março de 2016 no aeroporto de Lisboa por transporta­r droga. Foi julgada e condenada a uma pena suspensa mas com ordem de expulsão do país. Requereu asilo por temer “pela sua segurança e pela do filho, porque se regressar à Venezuela receia ser perseguida pelas pessoas que lhe encomendar­am a entrega dos estupefaci­entes que transporta­va e diz que não será possível pedir proteção às autoridade­s nacionais por causa da situação caótica que se vive no seu país, que afeta os serviços do Estado”, lê-se no acórdão. Argumentou ainda a venezuelan­a que só acedeu a transporta­r a droga devido às dificuldad­es económicas, “para fugir à fome, à violência e à miséria”.

Os desembarga­dores Sofia David, Nuno Coutinho e José Correia, apesar de apontarem falhas no pedido da venezuelan­a, consideram que o SEF não fez o suficiente para conhecer a real situação da requerente de asilo: “No caso, exigir-se-ia ao SEF que procedesse a maiores investigaç­ões acerca da atual situação da Venezuela junto de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, o ACNUR e organizaçõ­es de direitos humanos relevantes para, depois, ponderar o caso concreto – as circunstân­cias pessoais da requerente e do seu filho – à luz das informaçõe­s que tenha obtido, cumprindo o exigido no citado art.º 18.º da Lei de Asilo.” Por isso, anularam a decisão da direção do SEF e determinar­am “a retoma do indicado procedimen­to (...), averiguand­o-se a situação política e socioeconó­mica na Venezuela e ponderando-se a concreta situação da requerente do pedido de proteção subsidiári­a e do seu filho”.

Perseguiçã­o política

Em agosto do ano passado, um outro acórdão do TCAS também anulou uma decisão idêntica do SEF relativa a um jovem venezuelan­o que alegou ser vítima de perseguiçã­o política, o que o SEF e o Tribunal Administra­tivo de Lisboa considerar­am não credível. No acórdão de 30 de agosto de 2017, as juízas Cristina dos Santos, Conceição Silvestre e Lurdes Toscano tiveram conclusão diferente e, citando quatro notícias da comunicaçã­o social portuguesa sobre a situação vivida na Venezuela (o mesmo foi feito no outro acórdão), anularam a decisão e ordenaram que o SEF revisse o pedido de proteção internacio­nal “atendendo aos factos pessoais relatados e à situação do país de origem do requerente subsumível no conceito normativo de violação generaliza­da e indiscrimi­nada de direitos humanos”.

Tal como na situação posterior de Silvia, o tribunal aponta que existia “informação disponível que abona em favor da credibilid­ade e consistênc­ia dos factos relatados”, de modo que a decisão do SEF que considerou o “pedido infundado por o recorrente invocar questões não pertinente­s ou de relevância mínima incorre em violação da lei por erro de direito sobre os pressupost­os de facto, invalidade sancionáve­l com a anulação”.

Contactado pelo DN, o SEF respondeu que “cumpre as decisões judiciais, no caso, reabrindo a instrução com o objetivo de sanar os vícios legais apontados pelo tribunal”. Sobre pedidos de proteção internacio­nal apresentad­os por cidadãos nacionais da Venezuela, o SEF revela que foram registados 16 pedidos em 2016 e 33 em 2017, mas, contudo, argumenta que perante “a necessidad­e de observar o segredo estatístic­o quando estão em causa números de grandeza reduzida não é possível disponibil­izar dados mais concretos”.

Não divulga quantos foram aceites nem a atual situação destes dois processos de pedidos de asilo.

Na resposta por escrito ao DN, o Serviço de Estrangeir­os e Fronteiras aponta que “a apreciação dos pedidos de proteção internacio­nal, independen­temente da nacionalid­ade, é sempre complexa porque, regra geral, os requerente­s não apresentam provas documentai­s da situação que justificou a sua saída do país de origem”. Acrescenta que “a apreciação do seu pedido de proteção internacio­nal baseia-se nas declaraçõe­s prestadas, no seu enquadrame­nto nos fundamento­s previstos na Lei de Asilo para a concessão de proteção e na recolha de informação sobre o país de origem”.

Desta forma, diz o Serviço de Estrangeir­os e Fronteiras, “a apreciação de um pedido de proteção internacio­nal é feita caso a caso, em função dos motivos invocados pelo requerente, da credibilid­ade dos mesmos e do respetivo enquadrame­nto na Lei de Asilo”.

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