Ministro, vítimas e especialistas chamados a explicar os fogos
Sociais-democratas vão pedir audições e que se abandone as trincheiras. Relatório pode ser usado na investigação do MP
O PSD quer ouvir os especialistas da comissão técnica independente (CTI) para “aprofundar as falhas identificadas” no relatório aos incêndios de 14 a 16 de outubro de 2017, nos quais morreram 48 pessoas, mas junta outras entidades à lista para chamar depois ao Parlamento: o ex-presidente da Autoridade Nacional de Proteção Civil, Joaquim Leitão, a Associação das Vítimas do Maior Incêndio de Sempre em Portugal e o ministro da Administração Interna, confirmou o DN junto da bancada social-democrata.
Na Assembleia da República, o PSD deixou inscrita numa declaração política da deputada Rubina Berardo a disponibilidade para trabalhar “em conjunto” e “procurando consensos”, convidando “todos a abandonar as trincheiras ideológicas em prol do interesse nacional, para concretizar as recomendações dos dois relatórios da CTI”.
Rubina Berardo citou passagens do relatório para apontar que “o governo foi incompetente” na prevenção dos incêndios florestais e que o documento da CTI “vem confirmar o que o PSD afirmou desde a primeira hora” sobre o “falhanço do Estado”. “É verdade que o mundo está a viver as consequências das alterações climáticas de forma acelerada, mas isso implica que o Estado acelere também a sua resposta.”
Antes, a partir do Ministério da Administração Interna, o ministro que tutela a Proteção Civil reconheceu que o governo valoriza “particularmente” a “análise e as propostas constantes deste novo relatório” da CTI, documento que aponta falhas na prevenção dos incêndios de outubro de 2017, como já tinha feito com as primeiras recomendações, que estiveram na origem de “grande parte” das medidas anunciadas e postas em marcha pelo executivo socialista. Um relatório que, segundo o Expresso, vai ser usado pelo Ministério Público para acusar os responsáveis pelos fogos. A edição diária do Expresso de ontem adiantava mesmo que a EDP se arrisca a ser acusada por negligência.
Admitindo não ter tido tempo para uma “análise plena” ao relatório de avaliação aos incêndios de outubro de 2017, o ministro Eduardo Cabrita sublinhou que “a melhor forma” de o país estar preparado “para o combate” aos fogos “é centrar a atenção na prevenção”.
Na ocasião, o ministro revelou que o executivo já tem consigo o relatório que analisa o controlo dos meios aéreos de combate a incêndios pela Força Aérea. “Foi entregue nesta semana ao governo o relatório que estabelece a forma de exercício pela Força Aérea das competências de comando e gestão de meios aéreos afetos ao combate de incêndios”, afirmou Eduardo Cabrita, sem concretizar o que diz o relatório. “Neste ano a responsabilidade pela direção e gestão de meios aéreos será da Autoridade Nacional de Proteção Civil. A Força Aérea dará apoio adicional na prevenção e apoio operacional, quer no acompanhamento de situações de verificação de risco de reacendimento e em operações de rescaldo”, explicou. Sobre o concurso de meios aéreos, o ministro da Administração Interna insistiu que “já estão adjudicados dez meios aéreos para dar resposta permanente, de janeiro a dezembro”.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou-se disponível para apoiar eventuais retoques à legislação aprovada. “Se se entender – mas isso é uma decisão política, naturalmente, da Assembleia da República e do governo – que há aspetos a rever ou a retocar, em função das novas recomendações, sabe-se que o Presidente da República está disponível, sendo diplomas legais, para, naturalmente, dar o seu apoio àquilo que for feito”, apontou.
Sem se desviar desta ideia, Marcelo notou que “é preciso, naturalmente, como aconteceu com o primeiro relatório, retirar as consequências, ponderar as consequências daquilo que ali é recomendado – e há muitas recomendações”. Nessa ponderação, repetiu-se, se houver aspetos “a rever ou a retocar no que já foi feito, em função do novo relatório, sabem que contam com o apoio do Presidente da República”. “E é isso que eu tenho a dizer”, apontou Marcelo aos jornalistas. Divisão entre esquerda e direita No Parlamento, ficou clara a linha que separa as bancadas da direita e da esquerda. À intervenção do PSD, a pedir o fim das “trincheiras ideológicas” neste debate, o deputado socialista José Miguel Medeiros replicou que a deputada social-democrata “não deve ter lido o mesmo relatório” e lamentou que os sociais-democratas o tivessem comentado “ainda as fotocopiadoras estavam quentes”, referindo-se a um primeiro comentário do partido à entrega do relatório. “Estes relatórios são para ser lidos com rigor. É muito errado politicamente utilizar estes relatórios como arma de arremesso político”, criticou o socialista. Já Telmo Correia, pelo CDS, lamentou que “outros precisem de mais tempo para compreender aquilo que é bastante óbvio”. “Lemos bem e lemos rápido, os senhores é que levam muito tempo a ler e não só”, atirou, para logo notar que “os senhores não reagem, e não é ao fim de cinco minutos, é ao fim de cinco meses”, criticou.
O líder parlamentar do PCP, João Oliveira, lembrou que está prevista uma discussão desse relatório da CTI para a próxima quarta-feira. No entanto, João Oliveira disparou contra o PSD por querer “sacudir a água do capote” de responsabilidades anteriores.
Esquerda acusa direita de pressa na leitura do relatório. Marcelo diz-se disponível para apoiar retoques na legislação atual