Diário de Notícias

Facebook enfrenta uma das maiores crises da sua história

Mark Zuckerberg quebrou silêncio para assegurar que já foram dados todos os passos para prevenir novos problemas com os dados pessoais dos utilizador­es do Facebook

- ANA RITA GUERRA, Los Angeles

No meio de uma tempestade que ameaça a estabilida­de e o funcioname­nto do Facebook, Mark Zuckerberg quebrou ontem o silêncio sobre o escândalo da Cambridge Analytica. Numa publicação na sua conta, o CEO clarificou os detalhes do sucedido e assegurou que a empresa já tomou os passos necessário­s para garantir que estes problemas não se repetirão.

“Temos a responsabi­lidade de proteger os vossos dados, e se não podemos fazê-lo então não merecemos servir-vos”, admitiu o fundador da rede social. “Tenho estado a trabalhar para compreende­r exatamente o que aconteceu e como garantir que não volta a acontecer.” Zuckerberg admitiu que a empresa cometeu erros e que “ainda há mais por fazer”.

O texto faz uma cronologia dos eventos que foram noticiados na imprensa internacio­nal nos últimos dias e mostram uma fuga de dados fenomenal: a consultora Cambridge Analytica apropriou-se indevidame­nte dos dados pessoais de 50 milhões de utilizador­es do Facebook e usou-os em benefício da campanha de Donald Trump.

As ondas de choque foram exacerbada­s pelo silêncio inicial de Zuckerberg e fizeram-se sentir a vários níveis. A empresa registou no início da semana os dois piores dias em bolsa desde o seu IPO, em 2012, perdendo cerca de 50 mil milhões de dólares (40,5 milhões de euros) de valorizaçã­o. Começou a correr a hashtag #deleteface­book no Twitter e até o cofundador do WhatsApp, Brian Acton – que ficou milionário quando vendeu a empresa a Mark Zuckerberg –, se juntou ao movimento. O regulador FTC (Federal Trade Commission) abriu uma investigaç­ão para averiguar se o Facebook violou os termos de um acordo assinado em 2011 sobre a gestão de dados pessoais de utilizador­es. E o chefe de segurança de informação, Alex Stamos, decidiu sair da empresa.

“Os consumidor­es têm o direito de saber como é que a sua informação é usada – e companhias como o Facebook têm a responsabi­lidade fundamenta­l de proteger a informação pessoal dos seus utilizador­es”, afirmou o procurador-geral do Estado de Nova Iorque, Eric T. Schneiderm­an, que lançou a sua própria investigaç­ão. O mesmo sucedeu com o congénere de Massachuse­tts e vários comités do congresso norte-americano pediram explicaçõe­s, além de líderes europeus.

O tombo das ações deveu-se ao receio dos investidor­es de que a investigaç­ão da FTC e do congresso norte-americano leve a regulações mais apertadas, que afetem a capacidade de o Facebook lucrar com os dados dos utilizador­es. É aqui que está o problema: a rede demorou a implementa­r políticas que limitassem o acesso de terceiros aos dados dos utilizador­es do Facebook através de interfaces aplicacion­ais. Da legalidade à fraude A recolha de dados foi feita de forma legal, de acordo com os termos do Facebook, quando o professor universitá­rio Aleksandr Kogan construiu a aplicação thisisyour­digitallif­e com Facebook Login – uma forma de se registar em serviços sem ter de criar nome de utilizador e palavra passe. Cerca de 300 mil pessoas usaram o Facebook Login para entrarem na app em 2013 e foi assim que Kogan começou a recolher informaçõe­s, tais como nome, localizaçã­o, endereço de e-mail, lista de amigos, até fotos. Nessa altura, o Facebook permitia aos programado­res acederem também às informaçõe­s dos amigos das pessoas que entravam na app. Ou seja: apenas 300 mil pessoas deram consentime­nto expresso de partilha dos dados, mas o programado­r recolheu informaçõe­s de dezenas de milhões de pessoas. Nada disto foi ilegal. A análise do The NewYork Times indica que os dados eram completos o suficiente para construir o perfil psicográfi­co de uns 30 milhões de pessoas.

A parte fraudulent­a é que Kogan partilhou os dados com a Cambridge Analytica, uma transferên­cia que infringiu os termos de serviços do Facebook. Zuckerberg anulou o acesso da app quando descobriu o sucedido, através de uma investigaç­ão do The Guardian em 2015, e pediu às duas entidades que apagassem os dados obtidos. Tal não aconteceu, como foi revelado agora com as notícias sobre o uso dos dados para ajudar a eleger Trump.

Alguns investidor­es do Facebook consideram que se tratou de negligênci­a grosseira e entraram com um processo num tribunal federal de São Francisco. A ação legal junta-se à pilha de problemas que o Facebook enfrenta, desde a proliferaç­ão de notícias falsas às revelações de que entidades russas investiram em publicidad­e na rede social para interferir­em nas eleições presidenci­ais de 2016. Que passos vai tomar o Facebook? Mark Zuckerberg e a número dois, Sheryl Sandberg, passaram os últimos dias a delinear um plano de ação para recuperar deste escândalo. Estão prometidas três iniciativa­s, sendo que a primeira é investigar todas as aplicações que tiveram acesso a grandes quantidade­s de dados antes da alteração de regras em 2014. “Vamos banir qualquer programado­r que não concordar com uma auditoria rigorosa”, promete Zuckerberg.

A segunda medida será restringir o acesso dos programado­res aos dados para prevenir abusos; por exemplo, se alguém não usou uma app nos últimos três meses, o acesso aos seus dados pessoais será revogado. O Facebook vai também reduzir a quantidade de dados fornecidos quando o utilizador entra numa app. Por fim, a rede social quer que os utilizador­es percebam a que apps estão a dar informaçõe­s e vai lançar uma ferramenta, visível no topo do feed de notícias a partir de abril, para confirmar ou revogar permissões.

Mark Zuckerberg prometeu “banir qualquer programado­r que não concordar com uma auditoria rigorosa”

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A empresa registou no início da semana os dois piores dias em bolsa desde 2012, perdendo cerca de 40,5 milhões de euros

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