Explicações do Facebook não convencem clientes
Credibilidade de Zuckerberg e da sua rede social está posta em causa com as sucessivas falhas na proteção da privacidade
DADOS
ANA RITA GUERRA, Los Angeles Quando o Facebook descobriu que uma consultora se tinha apoderado dos dados de 50 milhões de utilizadores, exigiu-lhe que apagasse todas as informações pessoais obtidas de forma obscura. A Cambridge Analytica garantiu que o tinha feito, mas mentiu. O Facebook nunca informou os utilizadores do sucedido e não tomou passos para confirmar que a consultora cumprira a sua palavra. O único motivo pelo qual estamos a discutir este caso é que o The NewYork Times e o The Guardian noticiaram a história com a ajuda de ex-empregados da Cambridge Analytica. Mark Zuckerberg só agora pediu desculpa.
“Gostava que tivéssemos dado estes passos mais cedo”, disse o CEO da rede social numa rara entrevista à CNN, referindo-se às proteções que foram posteriormente decididas. “Esse foi o maior erro que cometemos.”
O escândalo está a afetar a credibilidade do fundador e do Facebook. Criticado por se ter tornado numa ferramenta de manipulação social, Zuckerberg disse estar disposto a testemunhar perante o Congresso e admitiu a necessidade de alguma regulação. Deu a entender que o Facebook foi vítima de uma empresa sem escrúpulos, apesar da recolha dos dados só ter sido possível porque a rede o permitiu.
“As empresas não percebem o que têm de fazer quando sofrem uma fuga de dados. Não treinam para isso, embora se esperasse que a esta altura o Facebook já tivesse alguma prática”, diz ao DN Ian Murphy, analista da Creative Intellect. As repercussões do incidente irão fazer-se sentir durante bastante tempo, considera, porque há reguladores e legisladores a investigar a falha. “Isto não vai terminar em dois ou três meses, irá arrastar-se. Durante esse tempo, o prejuízo para o negócio vai continuar”, vaticina.
As explicações de Zuckerberg também foram recebidas com ceticismo pelos utilizadores. Muitos comentaram no seu post que a rede social devia ter assumido o que aconteceu atempadamente. Na análise à entrevista na CNN, comentadores referiram que se mantêm questões sobre a forma como a empresa lidou com este caso. Entretanto, a hashtag #deletefacebook continua a correr, algo que Zuckerberg disse levar muito a sério.
Passaram oito anos desde que Zuckerberg declarou que a era da privacidade tinha acabado e que esta era uma norma do passado. O Facebook tornou-se um colosso cujo modelo de negócio é a venda de publicidade, o que torna os dados de cada utilizador importantes para a personalização dos anúncios. “As pessoas queixam-se da publicidade no Facebook, mas se querem algo gratuito têm de aguentar os anúncios. Como é que acham que as apps se sustentam? Se não é publicidade, é ter algo para vender; esse algo é a sua informação”, sublinha Ian Murphy.
As constantes mudanças das políticas de privacidade geraram vários problemas legais ao longo dos anos, e já em 2017 o Facebook foi multado em 150 mil euros pela comissão francesa de proteção de dados. Enfrenta ainda a investigação de vários países europeus pela monitorização de cibernautas com fins publicitários.
O analista refere que a entrada em vigor do novo Regulamento Geral de Proteção de Dados, a 25 de maio, irá pressionar ainda mais a empresa. O desafio será apaziguar a fúria dos utilizadores ao mesmo tempo que continua a entregar resultados aos investidores.
O desafio junta-se à necessidade de mitigar a circulação de notícias falsas e evitar a manipulação por parte de entidades russas, que continuam a tentar influenciar o público americano através das redes sociais. A forma como Zuckerberg lidou com a ingerência russa é o motivo pelo qual o chefe de segurança Alex Stamos pediu a demissão.