Textos a propósito de tudo e de nada escritos por Galeano, Kraus e Mexia
Aliteratura tem destas coisas, o texto curto e incisivo. Por norma, surge a coberto do género conto, com princípio, meio e fim, bem balanceados, e o resultado, quando é bem feito, é devastador. No caso dos livros aqui referidos, um de Eduardo Galeano, outro de Karl Kraus e o novo de Pedro Mexia, o género não é o conto mas faz lembrar essa arte. O primeiro contempla o estilo da micronarrativa em O Livro dos Abraços. O segundo subintitula-se Sátiras Escolhidas. O terceiro, reúne crónicas publicadas. Pode-se juntar este trio sob o mesmo chapéu?
A resposta é sim, pois o leitor que aprecia textos curtos regala-se com a produção destes três autores, até porque nascem em civilizações tão diferentes, respetivamente, América Latina, Europa Central e periferia desta. Ou seja, o embrião cultural difere tanto que no final percebe-se o quanto a literatura tem de universal e se justifica, designadamente quando a memória está na base do texto.
Galeano exprime-se politicamente nestes textos que ora vão de meia dúzia de linhas a uma página, ilustrados por si próprio – o que dá uma segunda leitura da escrita. Tal como vai acontecer nos dois livros seguintes a quem desejar conhecer melhor os autores, encontra nestas páginas muito do seu pensamento sobre o que o rodeia. Começa com uma visão do mundo a partir de uma subida aos céus na povoação colombiana de Neguá e termina com a nudez do próprio batida pelo vento. Pelo meio temos muitas opiniões sobre os males do mundo, quase nunca fugindo ao enfoque político, relatos de como se inspira para os seus livros, invenção de profecias pelos deuses e castigos humanos. Um perfeito retrato de Eduardo Galeano, como se feito ao espelho.
Diz o interessante prefácio de António Sousa Ribeiro ao livro de Karl Kraus que o autor encontra o seu tema principal na “hipocrisia dominante e as suas consequências”. Refere-se principalmente à moral sexual, mas nestas sátiras temos de tudo o que se foi passando no princípio do século XX a nível histórico, sendo impossível eleger uma destas performances literárias como a melhor. Melhor, dá uma panorâmica social de um tempo em que as grandes questões atuais já eram antecipadas.
Também o ótimo prefácio de Mega Ferreira em Lá Fora abre ao leitor as portas do que se seguirá em Pedro Mexia, uma coleção de textos que, apesar de datados, permanecem sem data nas suas descrições em torno de uma época social e, fundamentalmente, questionadora do social. É o caso da Ponte Salazar, é o bairro de Santo António dos Cavaleiros, os circos da Figueira da Foz ou a extinta Feira Popular, mas também racionaliza, por via de quem está cansado de Londres pois estará cansado da vida, os lugares do imaginário nacional em toda a profundidade. Quem ler um, não deve falhar os outros. Seja qual for a ordem de leitura.
Um trio de livros que devem ser lidos de seguida para perceber a universalidade da literatura, mesmo que a geografia os separe