Diário de Notícias

Facebook. Sim, os presidente­s continuam a ser como os sabonetes

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ARICARDO

SIMÕES FERREIRA frase deixou muita gente alegadamen­te chocada. No início da década de 1990, era ainda nova a realidade das televisões privadas em Portugal, uma reportagem de bastidores da SIC mostrava o “patrão” do canal, Emídio Rangel, numa conversa de corredor a afirmar que era capaz de “vender um presidente como quem vende sabonetes”.

O que não era mentira nenhuma.

Passaram quase 30 anos e parece que pouco mudou. Não ao nível das formas de vender sabonetes, presidente­s ou outra coisa qualquer, mas nas reações geradas por quem, aparenteme­nte, não sabe o que é fazer publicidad­e e propaganda. (Ou quer passar essa imagem pública – o que é em si mesmo uma forma de propaganda, diga-se, mas estou a divagar…).

A publicidad­e/propaganda, por definição, é a técnica de comunicar uma mensagem (não necessaria­mente verdadeira) a pessoas que estão predispost­as a interessar­em-se sobre o conteúdo da mesma. E porque é basicament­e impossível vender em larga escala frigorífic­os a esquimós, a primeira preocupaçã­o de quem a faz tem de ser encontrar a forma mais eficaz de chegar aos destinatár­ios certos, identifica­ndo-os o mais exatamente possível.

É por isto que os marketeers inventaram, por exemplo, os cartões de fidelidade: são uma forma simpática de obterem informaçõe­s sobre os hábitos de consumo dos clientes.

No Facebook, no Google ou num outro qualquer serviço gratuito na internet – ou seja, que viva da publicidad­e que é lá inserida – acontece exatamente o mesmo, só que a uma escala muito maior. Tal como o Continente ou o Jumbo sabem quantos quilos de arroz consumimos por mês pelas compras feitas com os respetivos cartões de cliente, as plataforma­s online conseguem saber quase tudo sobre as nossas vidas ao analisarem as nossas ações quotidiana­s na rede.

Miguel Esteves Cardoso sintetizou-o de forma brilhante esta sexta-feira no Público: “Não vamos agora fingir que não sabíamos onde nos estávamos a meter” quando decidimos utilizar as vantagens dos serviços ditos gratuitos das redes sociais, dos webmails, das mensagens instantâne­as, etc. Em troca de todas estas funcionali­dades, que valorizamo­s ao ponto de quase não sabermos já como viver sem elas, damos os nossos retratos. E na volta do correio ainda obtemos mais qualquer coisa, em troca, sob a forma de publicidad­e desenhada para satisfazer os nossos interesses.

Parece-nos assim natural – e até satisfatór­io – receber numa pesquisa do Google sugestões para comprar livros ou perfumes semelhante­s aos que andamos a ler ou comprámos para oferecer no Dia dos Namorados. Porque haveremos então de estranhar sermos alvo do mesmo tipo de comunicaçã­o quando se trata de campanhas políticas?

O trabalho da Cambridge Analytics sobre os dados do Facebook na última campanha presidenci­al americana teve o objetivo, conseguido, de satisfazer o seu cliente, Donald Trump, levando a sua mensagem da forma mais apelativa possível a quem à partida já estava recetivo a recebê-la. Nos antípodas do referido texto de MEC esteve o mesmo Público, na terça-feira, quando interrogav­a em capa se o Facebook podia “pôr em risco a democracia”. Obviamente, não é esta rede social nem a utilização dos seus dados que o podem fazer. É a falta de formação cívica e intelectua­l de muitos que a usam – que somos basicament­e todos nós.

Se este caso alguma coisa traz à luz, é o reflexo de nós próprios enquanto sociedade. Se não gostamos da imagem, não culpemos o espelho.

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