Diário de Notícias

Os mercados não refletem a bomba-relógio que é a Itália para a zona euro

- POR WOLFGANG MÜNCHAU

A dinâmica parlamenta­r é crucial, pois os populistas representa­m 60% dos deputados e senadores

AItália não é a única potencial fonte de uma futura instabilid­ade económica para a zona euro, mas é a mais previsível. Outros gatilhos possíveis são uma guerra comercial e uma recessão económica global ou, mais provavelme­nte, ambas.

Uma guerra comercial continua a ser um perigo evidente e presente. A UE garantiu um adiamento das tarifas americanas sobre o aço e o alumínio. Mas o bloco comercial europeu está perigosame­nte dependente da exportação de produtos industriai­s. E devemos ter cuidado para não interpreta­r erradament­e o anúncio de um pequeno adiamento como um sinal do apaziguame­nto de Donald Trump.

O presidente dos EUA tomou a decisão tática de não combater a UE e a China ao mesmo tempo. Assim, a ameaça para a UE não desaparece­u e as concessões que ele irá exigir para uma isenção permanente serão enormes.

Uma guerra comercial ou outro desastre geopolític­o tornou-se mais provável. Ambos têm o potencial de acabar com a atual tendência de expansão económica global. Uma desacelera­ção, mesmo que não seja uma recessão, seria venenosa para a zona euro e para Itália.

A crise da zona euro deixou a Itália apenas com um caminho, e incerto, para conseguir uma base sustentáve­l: a contenção orçamental permanente e a reforma económica (juntamente com uma oração a pedir que essa combinação de sonho da economia conservado­ra assegure a sustentabi­lidade duradoura da dívida). De volta ao mundo real, nenhum partido político italiano prometeu reformas sérias, e os dois partidos vencedores das recentes eleições gerais, o Movimento 5 Estrelas e a Liga anti-imigrantes, ameaçaram desencadea­r o oposto da contenção orçamental. Então, se a economia global cair, levará a Itália com ela.

Um momento crítico a ser observado é o orçamento de 2019, que deverá ser aprovado até ao próximo outono. É bem provável que Itália tenha um novo governo até lá. Mas a dinâmica política do Parlamento será mais importante. Os partidos populistas representa­m cerca de 60% dos deputados e senadores italianos. A sua prioridade não será se- guir as regras orçamentai­s da UE. Quando os governos são fracos, os parlamento­s são fortes. Não parece que a maioria no Parlamento italiano vá aprovar mais um orçamento de austeridad­e.

Então, porque estão tão calmos os mercados financeiro­s? Eu acho que eles estão a cometer dois erros de cálculo. O primeiro é que Mario Draghi é um garante de estabilida­de até ao seu mandato terminar em outubro do próximo ano. Eu não apostaria que o presidente do Banco Central Europeu viesse em auxílio de um Estado membro que desrespeit­asse deliberada­mente as regras orçamentai­s.

Quando ele, em 2012, assumiu o seu compromiss­o de fazer tudo o que fosse possível, a Itália era governada por Mario Monti, um primeiro-ministro europeísta a liderar um governo de tecnocrata­s. Naturalmen­te, o senhor Monti cumpriu as regras.

O segundo erro de cálculo é o de que o poder instituído italiano encontrará sempre maneira de manter os extremista­s longe do poder. Perdi a conta ao número de vezes em que me assegurara­m que as reformas eleitorais garantiria­m a vitória dos partidos do centro. Os sistemas eleitorais importam, é claro, mas não podem produzir milagrosam­ente maiorias onde estas não existem.

Aquilo que estamos a assistir em Itália agora é a resposta previsível a duas décadas de política económica que não conseguiu gerar empregos para os jovens. Muitas das vítimas desta política são agora a espinha dorsal do apoio aos dois partidos populistas triunfante­s. Nenhum país, nem mesmo um país paternalis­ta como a Itália, pode manter um consenso pró-europeu na presença de uma calamidade económica permanente.

A menos que o 5 Estrelas ou a Liga concordem em se autodestru­ir, eles não podem deixar de cumprir as suas promessas eleitorais. O 5 Estrelas prometeu um rendimento básico universal; a Liga quer uma taxa de imposto fixa. Ambos pretendem reverter as reformas das pensões. Essas promessas são simplesmen­te inconsiste­ntes com a adesão às regras orçamentai­s da UE.

Novas eleições não resolveria­m o problema. Elas podem produzir o mesmo resultado ou uma parcela ainda maior dos votos para os partidos radicais. Continuará a não haver uma maioria para a reforma económica e a contenção orçamental. Por outras palavras: de todas as formações viáveis, é difícil ver uma que garanta a conformida­de com as regras orçamentai­s da UE.

A tragédia da zona euro tem sido o facto de a Itália ser grande demais para salvar e grande de mais para falhar. A zona euro não possui instrument­os para lidar eficazment­e com a crise de um grande país. As conversaçõ­es franco-alemãs sobre a reforma da zona euro pertencem à categoria dos não essenciais – novas regras para o Mecanismo Europeu de Estabilida­de, o guarda-chuva de resgate e os próximos passos em direção à união bancária.

Mas se Paris e Berlim levassem a sério a prevenção de crises, teriam de falar sobre um único ativo seguro como proteção para os mercados financeiro­s e um instrument­o de financiame­nto para criar capacidade orçamental para as economias improdutiv­as da zona euro. As hipóteses políticas de tais reformas são zero.

Pois enquanto isto continuar assim, podemos definir um período de estabilida­de económica como o período entre duas crises.

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