Risco de abandono do Interior agravado com planos do governo
Operadores florestais criticam as medidas em curso para o reordenamento do território, mas avançam soluções. Um exemplo é colocar os grandes produtores a apoiar a biodiversidade
“O abandono a que o Interior está votado corre o risco de se agravar com as novas orientações do governo para a revisão dos Programas Regionais de Ordenamento Florestal.” Esta crítica do diretor de produção da Altri Florestal, Henke Feith, serviu de tónica geral ao primeiro debate “Agricultura mais Forte”, focado na floresta e reordenamento do território, realizado na quinta-feira na sede do Santander Totta, em Lisboa.
“Não podemos falar de reordenamento do território sem atentar à sua economia e ao facto de 95% dos proprietários dos terrenos serem privados”, considerou aquele responsável, para criticar o insuficiente envolvimento dos produtores florestais nas novas orientações para o setor, no rescaldo dos fogos trágicos de 2017. Em causa estão as restrições às novas plantações de eucaliptos e à estratégia para a gestão de combustível, relacionada com a limpeza de matos.
Ainda mais contundente, Henrique Pereira dos Santos observa que “o core business dos governos é o voto e não as florestas”, para acrescentar que a prova disso é “a asneira que se fez contra o eucalipto, que é a única fileira que gere a floresta”.
Aquele arquiteto paisagista e consultor na área da biodiversidade sustenta que, “uma vez que o mundo rural não tem expressão política e a floresta é uma área pouco competitiva” – com custos de produção elevada –, é preciso interiorizar que “não estamos a pagar ao mundo rural os serviços invisíveis que ele nos presta, como a gestão do combustível ou a qualidade dos leitos de água”. Por isso defende que os fundos comunitários deveriam ser aplicados para resolver esta falha de mercado.
“A experiência revela que a seguir a fogos violentos há sempre uma produção legislativa enorme e, em cada ciclo, um culpado: nos anos 70 eram os madeireiros, depois a especulação imobiliária e agora são os eucaliptos”, ironizou.
Também Henke Feith considera ser essa uma falsa questão: “Temos dois milhões de hectares ocupados por matos, não é por falta de espaço que não se plantam mais carvalhos, pinheiros ou sobreiros – não se plantam porque não é rentável”.
Mas, observa, “a rentabilidade não tem de ser exclusivamente financeira, pode ter um retorno ambiental, cabendo à sociedade decidir quem a vai financiar”. Nesse sentido, o responsável da Altri Florestal avança uma solução: “Deveriam ser criados créditos da biodiversidade, na lógica de obrigar quem tem floresta de produção a contribuir para a biodiversidade, em território próprio ou alheio”. Uma regra que, diz, é seguida pela Altri – com 10% da sua área de plantação a respeitar a biodiversidade –, porque “os mais fortes devem apoiar os mais fracos e há espécies mais rentáveis do que outras, mas tem de haver espaço para todas”.
Fundamental é “revitalizar o mundo rural, trazer dinâmicas económicas e sociais e arranjar respostas coletivas para riscos que são coletivos, como se viu com a tragédia dos recentes incêndios”, referiu António Gonçalves Ferreira.
O presidente da União da Floresta Mediterrânica (UNAC) lançou críticas às entidades de gestão florestal, as denominadas Zonas de Intervenção Florestal, dizendo que “são contraproducentes” e não salvaguardam a viabilidade económica da floresta, que reside fundamentalmente na pulverização territorial.
Polémicas à parte, “se há uma coisa que resultou do fatídico balanço dos fogos de 2017 é que o país exige uma mudança”, resume Helena Freitas, professora catedrática da Universidade de Coimbra. “O país está profundamente dividido numa assimetria brutal, inaceitável: temos dois terços do território onde vive um terço da população e dois terços da população a viver num terço do território”, refere a ex-coordenadora da Unidade de Missão para o Interior, que não hesita em afirmar que “o Estado abandonou estes territórios”. Não é por acaso que em França existe um ministro da coesão territorial e um ministro para a transição ecológica, apontou.
Contribuir para a sustentabilidade da agricultura portuguesa é o objetivo do Santander Totta, com o relançamento de uma série de seis debates temáticos, iniciada pelo Banco Popular no ano passado, com muito sucesso, afirmou o seu administrador Pedro Castro e Almeida. Também Luís Seabra, assessor para o agroalimentar do banco, revelou que, “apesar da floresta ser um setor difícil, o Santander Totta está cá para apoiar no financiamento”.
“O core business dos governos é o voto, não a floresta. Prova é a asneira feita contra o eucalipto, que é a única fileira que gere a floresta”
HENRIQUE PEREIRA DOS SANTOS ARQUITETO PAISAGISTA
“O país tem uma assimetria brutal e inaceitável: dois terços da população vivem num terço do território e vice-versa”
HELENA FREITAS PROFESSORA DA UNIVERSIDADE I DE COIMBRA