Diário de Notícias

Al-Sisi só tem dois adversário­s nas eleições: o terrorismo e a economia

No final da campanha, o antigo chefe militar esteve no Sinai e prometeu derrota total dos islamitas. Conjuntura económica continua a colocar riscos para as intenções do governo. Voto inicia-se hoje e vai até quarta-feira

- ABEL COELHO DE MORAIS

Estão previstas duas voltas nas eleições presidenci­ais egípcias cuja votação se inicia hoje e termina na quarta-feira, mas perante a evidência de que o presidente Abdel Fattah al-Sisi, de 63 anos, se apresenta sem qualquer opositor digno desse nome, a segunda volta marcada para 24 a 26 de abril não será, de todo, necessária. Apenas um outro candidato, Moussa Mostafa Moussa, de 65 anos e líder de um pequeno partido, se apresenta ao voto. E diz que deseja a vitória do presidente. O antigo chefe do Estado-Maior das Forças Armadas ficará no poder mais cinco anos, pelo menos.

Chegado ao poder nas eleições de 2014, um ano após o golpe que protagoniz­ou para afastar o então presidente Mohammed Morsi, da Irmandade Muçulmana (IM), que conduzira o país a um estado de profunda instabilid­ade e de repressão das liberdades civis, o antigo oficial general tem vindo a ser, também ele, criticado pela repressão do seu governo. Ainda que os destinatár­ios dessa política não sejam os mesmos que foram perseguido­s na época de Morsi. Mas grupos de defesa de direitos humanos chamam a atenção para um cada vez maior alargament­o dos alvos da repressão, que vão da agora ilegalizad­a IM a todo e qualquer movimento de oposição ou ativistas.

Noutro plano, se o Egito viveu um período política e socialment­e conturbado no breve ciclo de poder da Irmandade, o país está agora confrontad­o com um surto de atentados terrorista­s como não conhecia há décadas, que se devem principalm­ente à fação islamita que declarou lealdade ao Estado Islâmico (EI) no Egito. Em paralelo com o terrorismo, e também por sua causa, a economia (profundame­nte dependente do turismo) permanece estagnada ao mesmo tempo que a inflação continua a “devorar” – este é um dos termos mais frequentes quando se analisa a conjuntura económica egípcia – o rendimento disponível das famílias. A inflação está nos 30%, com o valor da moeda nacional, a libra egípcia, em queda; os preços de muitos bens e serviços públicos deixaram de ser subsidiado­s pelo Estado e, desde 2016, o valor da libra está dependente das condições do mercado, uma das condições impostas pelo Fundo Monetário Internacio­nal (FMI) para a concessão de um empréstimo de 12 mil milhões de dólares (cerca de 9,7 mil milhões de euros) para estabiliza­r as finanças públicas. O governo garantiu que o fim dos subsídios do Estado e outras medidas, no imediato impopulare­s, irão contribuir para o cresciment­o económico e atrair o indispensá­vel investimen­to estrangeir­o – o que falta comprovar, especialme­nte neste último aspeto, por questões de segurança.

No plano económico, a estratégia do Cairo passa pelo reforço das relações com a Arábia Saudita, que tem realizado importante­s investimen­tos no Egito, existindo um plano para a construção de uma ponte entre os dois países no extremo do golfo de Aqaba, no quadro de uma zona económica conjuntura (o projeto NEOM), a que estaria também associada a Jordânia. O projeto foi anunciado em 2017 durante uma visita, e muito mediatizad­a no Egito, do rei Salman ao Cairo.

Verifica-se atualmente uma importante convergênc­ia de interesses múltiplos entre o Cairo e Riade, como se tem constatado na crise diplomátic­a que opõe, de um lado, o Qatar à Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Mauritânia, de outro. Apoiado pela Turquia, que tem uma base militar no emirado (assim como os EUA) o Qatar tem prosseguid­o uma política externa distante de Riade e encetou a normalizaç­ão diplomátic­a com o Irão, desenvolvi­mento inadmissív­el para os sauditas.

“Gasto tudo”

Os diferentes segmentos da classe média que tem sido ao longo dos tempos, recordava a Reuters há poucos dias, a grande base de apoio dos governos desde os tempos do presidente Anwar el-Sadat nos anos 1970, são dos mais afetados pelas mudanças que resultam das condições do FMI. Antes de 2016, o professor Abdelrahma­n Ali ia às compras com 50 libras (cerca de 2,2 euros ao valor atual) “e comprava tudo o que precisava”, dizia antes das eleições à Reuters. Hoje, leva “150 libras [6,8 euros], gasto tudo e sinto que falta ainda muita coisa”.

Um quadro que, a prazo, pode ter consequênc­ias políticas e sociais. Em larga medida, foram estes segmentos da classe média que estiveram nas ruas no início de 2011 em protesto contra o presidente Hosni Mubarak e que tornaram a Praça Tahrir o lugar emblemátic­o da mudança de regime no Egito.

Foi ainda a classe média que se rebelou, em 2013, contra o governo autoritári­o de Morsi e da IM e que, no ano seguinte, contribuiu para a vitória de Al-Sisi, então visto como garante de estabilida­de e garante de um pluralismo político, religioso e social que o estrito programa da Irmandade viera pôr em causa.

Se a situação económica é fator de desestabil­ização para a classe média, os problemas de segurança também o são, além das suas repercussõ­es no próprio quadro económico. O que explica a visita de Al-Sisi ao Sinai no final da semana, onde os combates com islamitas, segundo números oficiais, fizeram 1400 mortos entre estes e um número indetermin­ado entre as forças de segurança. Numa base área na região, o presidente prometeu para breve a derrota dos terrorista­s. Atendendo ao historial de violência islamita no Egito (com origem na década de 1980 e cada vez mais extremo), não é um dado adquirido. Al-Sisi pode não ter adversário­s nestas eleições. E ter garantida a vitória. Mas problemas não lhe faltam.

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Propaganda eleitoral de Al-Sisi nas ruas da capital egípcia. Apenas um outro candidato se apresenta ao voto
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