O Sonho de Susa Monteiro tem tigres e outros seres extraordinários
Depois do guia da sua cidade, Beja, a autora das ilustrações que todas as semanas acompanham Lobo Antunes publica Sonho
Quando era pequena, Susa Monteiro passava horas e horas a folhear os volumes de duas enciclopédias de animais que havia lá em casa. “Estava sempre a ver os animais, era uma coisa que me interessava”, recorda. “Estava sempre a desenhar. Princesas, Jovens Heróis de Shaolin, cavalos. Toda a bicharada.” Susa cresceu mas, ainda hoje, que tem 38 anos e é uma das ilustradoras nacionais mais requisitadas e acaba de lançar um livro, Sonho, o difícil é encontrar um desenho seu que não tenha nem animais nem pessoas. Consegue desenhar quase todos os animais de cabeça, sem sequer olhar para uma fotografia. E ainda outros animais que só existem na sua imaginação. “À exceção de gatos”, ressalva. “Tenho dois gatos em casa e passo a vida a olhar para eles mas não os consigo desenhar. Não sei porquê, há qualquer coisa na forma da cara dos gatos que não consigo apanhar.”
Susa era o nome que a mãe lhe queria chamar e é o nome pelo qual ela sempre foi conhecida, apesar de no cartão se chamar Susana. Nasceu em Beja e estudou Realização Plástica na Escola Superior de Teatro de Cinema, em Lisboa, na altura em que ainda achava que o seu futuro iria ser passado a fazer cenários e figurinos para teatro e cinema. Fê-lo durante cinco anos, sobretudo no teatro. “Mas na maior parte das companhias, que têm pouco dinheiro, o figurinista tem de costurar e eu detesto costurar. Costurava, claro, mas muito mal.”
Quando decidiu voltar para Beja, já depois de um curso de cinema de animação, Susa conheceu o Toupeira – Ateliê de Banda Desenhada e, sobretudo, o seu diretor, Paulo Monteiro (que, entretanto, se tornou também seu parceiro), começou uma nova carreira. “Eu nunca tinha lido banda desenhada, mesmo em criança. Pensava que a banda desenhada era só o Astérix e Tintim e nunca tinha tido interesse nenhum. Mas depois percebi que era isso que queria fazer”, conta. Esse talvez seja também o motivo por que há tantas ilustradoras em Portugal e tão poucas autoras de banda desenhada: “Os rapazes em novos têm mais a cultura da banda desenhada e então crescem mais com o desejo de fazer. Mas as coisas estão a mudar.”
Na verdade, Susa Monteiro acabou por se dedicar muito mais à ilustração do que à banda desenhada. Não só tem ilustrado vários livros como tem publicado na imprensa. É, desde há nove anos, a responsável pelas ilustrações que acompanham as crónicas de António Lobo Antunes na revista Visão, apesar de nunca ter conhecido o autor. Fez cartazes, nomeadamente para o Festival de Banda Desenha de Beja, que se realiza em maio e de que é, há 13 anos, uma das mentoras, além do seu trabalho pessoal, que mostra regularmente em exposições por todo o país.
Trabalha depressa e funciona bem com prazos. Desenha sempre em papel e só usa o computador numa fase final e no estritamente necessário. “Sou autodidata porque nunca tive aulas de desenho nem de pintura. Aprendi com a prática. Há pessoas que beneficiam de ter tirado cursos, têm outros suportes, outras técnicas que eu não sei, mas vou procurando e vou experimentando aquilo que me apetece e me é possível. Acho que não há nada como o passar dos anos e a experiência para saber agarrar um trabalho da melhor possível”, conta.
Durante muito tempo, as suas ilustrações eram maioritariamente a preto e branco. Há dois anos começou a usar as cores que hoje são uma das imagens de marca. O azulão, o amarelo, o vermelho, que ocupam toda a página, sem deixar espaços vazios. “É estranho”, reflete. “Enquanto adolescente e jovem, quando uma pessoa é assim melancólica e acha que a vida é uma porcaria, ou seja, quando os meus problemas não eram problemas eu desenhava a preto e branco. E quando a vida realmente me deu uma chapada comecei a desenhar a cores. Não sei explicar. Mas os desenhos a cores não são menos melancólicos nem negros do que os a preto e branco, só que é diferente.”
Depois de ter feito o guia de Beja para a coleção A Minha Cidade, André Letria, editor da Pato Lógico, desafiou-a a fazer um livro só com ilustrações para a coleção Imagens Que Contam. Susa Monteiro aceitou imediatamente: “Eu não tinha a ideia para uma história, imaginei o que queria dizer e criei narrativas para cada desenho, mas nunca fiz uma história para o livro.” Sabia que queria ambientar a sua história num ambiente natural – uma selva, um deserto, um vulcão –, que teria pelo menos uma personagem humana e animais. “Depois fui introduzindo algumas coisas que são mais recorrentes nos sonhos, como estar a tentar fugir, a sensação de voar, de flutuar, e depois essas feras pré-históricas.”
Quem quiser saber qual é a história tem de puxar pela imaginação. “Não foi de propósito, saiu assim – deixa espaço para o leitor. O livro não diz exatamente como é que a história tem de ser, cada pessoa consegue dar um bocadinho de si ao livro.”