Um herói é isto
Embora o provérbio cínico diga “mais vale ser invejado do que misericordiado”, é certo que em certas circunstâncias é correta a misericórdia. Boa, para o próprio, nunca é. Mas já que houve vítimas, ao menos que os outros tirem daí uma razão para exercerem a compaixão, que nos ensina a sermos melhores. Ensina a nós, os que ficamos. Porque boa, para as vítimas, nunca é. As vítimas, do que necessitam, como um dia escrevi sobre o desastre de Entre-os-Rios, era de mais engenheiros a montante (que inspecionassem a ponte antes do desastre) do que de psicólogos a jusante (para apaziguar depois os familiares dos mortos). Enfim, nunca é boa a condição de vítima e por isso é um pouco indecente sentirmo-nos melhores depois da despedida daqueles que não escolheram partir. As manifestações com velinhas misericordiosas, de tanto se repetirem por não ter havido engenheiros a montante, acabam – essas manifestações compassivas – por nos dar um sentimento angustiante de impotência. Por isso são importantes os heróis. Como esse homem que convenceu o terrorista de Trèbes, França, a ficar ele refém, em vez da empregada da caixa do supermercado atacado. O homem era tenente-coronel da polícia, o que é mais um elemento para o tamanho do heroísmo. Minutos antes, o terrorista tinha atacado a tiro uma caserna, alvo mais difícil do que um supermercado. Sabia-se, pois, a prioridade do terrorista. Ao oferecer-se para a troca com civis, o tenente-coronel conhecia o risco fatal. E pisou-o. A ele não lhe aconteceu, pois, ser vítima. Foi herói. Herói com o ato que salvou, naquele dia, uma vítima e herói com o exemplo que nos deu para defrontarmos os fazedores de desgraças. O padre que fez a homilia disse do tenente-coronel Arnaud Beltrame: “Uma vida dada não pode ser perdida.” Por outras palavras, os heróis não são para ser misericordiados.