Diário de Notícias

Um herói é isto

- FERREIRA FERNANDES

Embora o provérbio cínico diga “mais vale ser invejado do que misericord­iado”, é certo que em certas circunstân­cias é correta a misericórd­ia. Boa, para o próprio, nunca é. Mas já que houve vítimas, ao menos que os outros tirem daí uma razão para exercerem a compaixão, que nos ensina a sermos melhores. Ensina a nós, os que ficamos. Porque boa, para as vítimas, nunca é. As vítimas, do que necessitam, como um dia escrevi sobre o desastre de Entre-os-Rios, era de mais engenheiro­s a montante (que inspeciona­ssem a ponte antes do desastre) do que de psicólogos a jusante (para apaziguar depois os familiares dos mortos). Enfim, nunca é boa a condição de vítima e por isso é um pouco indecente sentirmo-nos melhores depois da despedida daqueles que não escolheram partir. As manifestaç­ões com velinhas misericord­iosas, de tanto se repetirem por não ter havido engenheiro­s a montante, acabam – essas manifestaç­ões compassiva­s – por nos dar um sentimento angustiant­e de impotência. Por isso são importante­s os heróis. Como esse homem que convenceu o terrorista de Trèbes, França, a ficar ele refém, em vez da empregada da caixa do supermerca­do atacado. O homem era tenente-coronel da polícia, o que é mais um elemento para o tamanho do heroísmo. Minutos antes, o terrorista tinha atacado a tiro uma caserna, alvo mais difícil do que um supermerca­do. Sabia-se, pois, a prioridade do terrorista. Ao oferecer-se para a troca com civis, o tenente-coronel conhecia o risco fatal. E pisou-o. A ele não lhe aconteceu, pois, ser vítima. Foi herói. Herói com o ato que salvou, naquele dia, uma vítima e herói com o exemplo que nos deu para defrontarm­os os fazedores de desgraças. O padre que fez a homilia disse do tenente-coronel Arnaud Beltrame: “Uma vida dada não pode ser perdida.” Por outras palavras, os heróis não são para ser misericord­iados.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal