A complexidade das desigualdades sociais
Li num daqueles jornais gratuitos que se distribuem pela cidade que Lisboa é a urbe mais cara para estudar, não apenas pelo custo do alojamento. Não me surpreendeu a informação. Ainda assim, tomando como dado adquirido o elevado custo de vida na capital, é cada vez mais aliciante estudar em Portugal pelo crescente interesse que as universidades portuguesas têm vindo a despertar junto de estudantes estrangeiros (europeus, asiáticos, americanos e africanos). Acredito que há lugar para todos os gostos.
Por razões várias, entre elas a excelência, aumenta a procura por parte da comunidade académica. Prova disso é a pertinência com que avança o novo projeto da Nova SBE (School of Business & Economics), em Cascais, nos arredores de Lisboa. O futuro campus de Carcavelos, a ser inaugurado em setembro deste ano, pretende atrair estudantes de várias origens, sobretudo europeus, e competir com as melhores universidades norte-americanas.
Há aqui um substancial “esforço de internacionalização”, referido várias vezes por Daniel Traça, dean da Nova SBE. Inclusive, como sustentou o professor Pedro Santa Clara numa recente press preview para apresentação à imprensa do rol de acontecimentos a ter lugar em Cascais nos próximos meses, o desafio é fazer deste projeto “um daqueles casos de orgulho nacional”.
O novo polo universitário, um investimento de 50 milhões de euros plantado em frente à atrativa praia de Carcavelos, nasce com capacidade para acolher 3200 alunos em licenciaturas, mestrados, doutoramentos e formação de executivos de topo. São alunos oriundos de Espanha, França, Alemanha e Itália, mas também da China, do Brasil ou de outras paragens. Embora África não apareça explicitamente referenciada na estratégia, é, na minha perspetiva, um desafio de se louvar pela ambição que os mentores e parceiros sempre depositaram nele como polo atrativo de projeção de uma nova imagem de ensino de qualidade gerador de competências.
Naquele dia, sobretudo como cidadão, fiquei impressionado com a dinâmica cultural e intelectual que se está a dar ao concelho, que em muito fica a ganhar com a grandeza deste projeto moderno. Mas, no ano em que Cascais assume a capital do Euro-Afro, o Fórum acolhe a assembleia geral da UCCLA – União das Cidades Capitais Luso-Afro-Americana – e recebe o XV Congresso das Cidades Educadoras – para sublinhar a importância do investimento na educação e no conhecimento – ocorreram-me os dados do último relatório sobre as “Desigualdades Sociais em Portugal”, apresentado no ISCTE- IUL (Instituto Universitário de Lisboa).
Aquilo que terá sido o resultado do referido estudo não constitui em si novidade. Dizia uma minha amiga, docente e artista angolana, “esta questão já tem barbas brancas”. São constatações. À conversa com uma das coordenadoras do relatório em causa, o que é de se considerar é a complexidade das desigualdades sociais, digamos mesmo o facto de estarmos a viver num país com muitas desigualdades de oportunidade também a nível da escolarização, tal referiu uma das intervenientes.
Sentado naquele auditório no ISCTE-IUL, fui tomando notas. Sobre as alusões e considerações a respeito das causas do insucesso e abandono escolar, que afetam as famílias mais pobres e vulneráveis, as comunidades cigana, de afrodescendentes e de imigrantes. Sobre as minorias segredadas, com indicadores de baixas qualificações e atingidas por dificuldades financeiras dos pais, muitas vezes desempregados, e a sua incapacidade de acompanhar as crianças, principalmente no secundário ou no pós-secundário.
Por detrás disto tudo está o racismo institucional, que começa nas escolas. Em muitas escolas portuguesas, como reafirmava uma das coordenadoras do citado estudo com quem conversei, desiste-se dos tais alunos. Ou são encaminhados para vias alternativas como o ensino profissionalizante.
Por ser uma ferida que ainda persiste na sociedade portuguesa, apraz ouvir dizer que é preciso assumir a existência do racismo institucional. Assim como agrada saber, com um sorriso no rosto, que são necessárias mudanças estruturais das desigualdades, políticas públicas para as combater, fazendo “grandes apostas na educação”, abrangendo o universitário. Quem sabe não seja esta uma das inquietações a ser considerada no evento de Cascais?
E, neste país de brandos costumes, fará sentido ou não incrementar políticas de cotas para o acesso ao ensino superior, a exemplo do que fez o Brasil, que favoreçam a integração plena das minorias, nomeadamente da comunidade de afrodescendentes?
O debate sobre estas matérias, assim como sobre a necessidade de se pôr em prática medidas de ação afirmativa, está em cima da mesa e deve ser aprofundado em busca de consensos e de concretização.
Uma coisa é certa, a mudança impõe-se. Seria, certamente, um motivo de orgulho nacional.