Futuro político de Puigdemont em jogo após dia de protestos
Parlamento catalão discute hoje o direito do ex-presidente da Generalitat, detido numa prisão alemã, de ser investido
SUSANA SALVADOR A confirmação da prisão de Carles Puigdemont na Alemanha, enquanto aguarda uma decisão que pode levar 60 dias sobre a eventual extradição para Espanha, desencadeou uma jornada de protestos na Catalunha. Os Comités de Defesa da República (CDR) estiveram por detrás de dezenas de cortes de estradas, que obrigaram os Mossos d’Esquadra a recorrer à força para levantar as barricadas, e concluíram o dia de luta num protesto junto à estação de Sants, em Barcelona. Hoje, o Parlamento catalão discute o direito de Puigdemont voltar a ser eleito presidente da Generalitat.
Detido na prisão de Nuemünster, o dirigente independentista recebeu ontem a visita do advogado Jaume Alonso-Cuevillas, tendo publicado mais tarde uma mensagem na rede social Instagram apelando à união. “Não me rendo. Apesar das adversidades, não desfalecerei na defesa dos meus ideais”, dizia o texto. “Desde aqui faço um apelo à unidade do soberanismo, esta será uma luta longa mas acabará bem”, indicou. O ex-presidente da Generalitat deixou um “agradecimento especial” a todos os que lhe estão a mostrar apoio “na Catalunha, na Europa, por carta, nas redes sociais e também nas ruas pacificamente”.
Aos jornalistas, ao sair da prisão, Alonso-Cuevillas disse que Puigdemont confia na justiça alemã, tendo-o encontrado “firme, com coragem, decisão e determinação”. O ex-presidente da Generalitat foi informado pelo advogado de que o Comité de Direitos Humanos da ONU aceitou a sua denúncia de vulneração dos seus direitos políticos. O Parlamento catalão, onde os independentistas têm a maioria, discute hoje o direito de Puigdemont a ser investido presidente da Generalitat, uma iniciativa apoiada por uma centena de intelectuais catalães. A Candidatura de Unidade Popular (CUP), que travou com os seus quatro deputados a eleição de Jordi Turull, reiterou ontem estar disponível para apoiar a candidatura de Puigdemont, que considera “uma resposta à altura da resposta repressiva do Estado”, em troca de um lugar na Mesa do Parlamento.
Os apelos de Puigdemont aos protestos pacíficos surgem depois de, no domingo, algumas manifestações terem acabado em confrontos com a polícia catalã. Os Mossos d’Esquadra recorreram ontem à força para reabrir algumas das estradas fechadas pelos CDR. Foi o caso da autoestrada a AP-7, que liga à fronteira francesa, bloqueada durante mais de cinco horas. Quando finalmente foi reaberta, os veículos dos CDR seguiram em marcha lenta, causando filas de três quilómetros. Em Barcelona, à hora de ponta, houve também alguns bloqueios, que complicaram o trânsito.
As barricadas foram uma ação concertada organizada pelos chamados Comités de Defesa da República, que são mais de 170 e segundo a polícia têm milhares de militantes. Os CDR tinham anunciado na segunda-feira o início de um ciclo de protestos “permanentes” contra a detenção de Puigdemont, que consideram um “ponto de não retorno” para o movimento independentista. Os CDR nasceram como Comités de Defesa do Referendo e são assembleias de cidadãos, descentralizadas, cujo objetivo é “defender a República de forma pacífica, mas contundente”.
No fim do dia, os protestos desembocaram na estação de Sants, em Barcelona, tendo a polícia reforçado o contingente no local para evitar o eventual corte das linhas férreas. Pelo menos 500 manifestantes, segundo os jornais catalães, rodearam a estação, gritando “Puigdemont é o nosso presidente” e apelidando os Mossos de torturadores.
A polícia catalã, que passou por um período de graça depois dos atentados de agosto em Barcelona e no referendo independentista, durante o qual a Guardia Civil e a Polícia Nacional foram os alvos dos manifestantes, volta assim ao papel de vilão. Isto apesar de dois dos seus elementos terem estado ao lado de Puigdemont na hora da detenção, na Alemanha, e serem agora alvo de inquérito por encobrimento aberto pelas autoridades espanholas. 1. Manifestante com bandeira independentista grita com um agente da polícia de choque dos Mossos d’Esquadra que queria desbloquear a estrada 2. “República Catalã agora!”, lê-se no cartaz no bloqueio da AP-7 3. O advogado de Puigdemont, Jaume Alonso-Cuevillas, depois de o visitar na prisão na Alemanha
Os dois agentes, que estavam de licença, serviram de motoristas ao ex-presidente da Generalitat, levando o carro em que este se deslocava em Bruxelas até à Suécia, para onde Puigdemont viajou de barco desde a Finlândia (onde tinha atos planeados). No veículo ia ainda o empresário Josep María Matamala Alsina, amigo de Puigdemont que tem estado a seu lado desde que decidiu autoexilar-se em Bruxelas, e o historiador Josep Lluís Alay Rodríguez.
O ex-presidente foi detido em Schuby, 30 quilómetros após cruzar a fronteira entre a Dinamarca e a Alemanha, tendo sido na segunda-feira presente à juíza de primeira instância. Esta decidiu que ficaria preso, por risco de fuga, enquanto aguarda o decorrer do processo de extradição. A decisão deverá demorar no máximo 60 dias. Em Espanha é acusado de rebelião e peculato na organização do referendo e consequente declaração de independência, mas na Alemanha o primeiro crime não está tipificado, assemelhando-se ao de alta traição.