PAN quer Big Brother nos matadouros para evitar maus-tratos
Projeto de lei para introduzir videovigilância no abate de animais é hoje discutido. Responsável de matadouro diz que é excessivo
O PAN garante que tem recebido várias denúncias de maus-tratos a animais em torno da produção e do transporte até aos matadouros para justificar o projeto de lei que o seu deputado André Silva entregou no Parlamento, determinando a instalação de sistemas de circuitos fechados de televisão nas unidades de abate. As imagens só deverão ser visionadas pelos inspetores sanitários e operadores, mas a proposta gera divisão nos matadouros e veterinários. Alegam que todos os abates já são acompanhados por um corpo de inspeção.
A discussão desta iniciativa legislativa está agendada para hoje, admitindo Cristina Rodrigues, a redatora da proposta e chefe do gabinete jurídico do PAN, que “se há problemas ao nível da produção e transporte que violam o bem-estar animal, ninguém nos diz que não haverá outros problemas nos ma- tadouros. Só que lá dentro ninguém vê”, ressalva.
Cristina Rodrigues aponta exemplos de outros países europeus, mas também dos Estados Unidos e Austrália, onde os maus-tratos se verificam, apesar de alguns serem estados que, à partida, teriam “maior sensibilidade para o bem-estar animal”, admite. As principais queixas recaem sobre a aplicação de cargas elétricas em zonas do corpo dos animais não permitidas pela lei, aplicação de pancadas com violência em partes sensíveis do corpo ou ineficiência na imobilização.
Inglaterra e Holanda foram os mais recentes países a determinarem a instalação de circuitos fechados de televisão (CFTV ) nos matadouros, depois de também Israel já ter investido nestes equipamentos.
Aliás, a redatora da iniciativa legislativa destaca o caso de Inglaterra, onda as câmaras de videovigilância foram sugeridas pela distribuição e matadouros que quiseram, desta forma, transmitir uma ideia de confiança ao consumidor em torno do bem-estar. “Depois, o próprio governo apercebeu-se da importância disto para o mercado e determinou a obrigatoriedade de todos os matadouros terem estes circuitos.”
O PAN ainda não tem qualquer reação sobre a “simpatia” que a proposta poderá colher junto dos restantes grupos parlamentares, revelando Cristina Rodrigues que o conteúdo do projeto de lei estava a ser dado a conhecer aos partidos.
Os vários matadouros contactados pelo DN também desconheciam o projeto, pelo que apenas dois aceitaram comentar a proposta do PAN. Do lado do Matadouro Regional do Alto Alentejo, onde decorre a campanha em torno do abate de borregos em tempos de Páscoa – e que representa 25% do volume de negócio anual –, o presidente da administração, José Serralheiro, adjetiva o projeto de lei “excessivo”. Alega que “as filmagens iriam originar uma mediatização que poderá ferir suscetibilidades”, apesar de o PAN assegurar que as imagens serão apenas visionadas por profissionais habilitados em circuito fechado.
O mesmo dirigente alertou para o facto de as estruturas do matadouro serem diariamente acompanhadas com “quadros oficiais de primeiro escalão, que são pessoas com experiência e formalmente instituídas pelo organismo do Estado para fazerem a verificação”. Diz que a lei que regula as boas práticas do bem-estar animal já exige ações de formação junto do quadro de pessoal no que diz respeito aos transportes e maneio do gado. Destaca ainda que “não há um abate em que não esteja presente um quadro oficial a supervisionar as boas práticas de bem-estar animal, como das boas práticas daquilo que são os conselhos higienossanitários”, assumindo que sempre que é detetada alguma anormalidade “são tomadas medidas para as corrigir”.
Enquanto a própria Associação Portuguesa dos Industriais de Carne também prefere remeter-se ao silêncio sobre o assunto, alegando que se trata de um tema do foro das autoridades fiscalizadoras, José Espírito Santo, diretor do Matadouro da Beira Alta – onde se abatem borregos e vacas –, abre as portas às câmaras de videovigilância. “Ponham lá as câmaras que quiserem. Não tenho receio de nada. Já tenho o matadouro desde 1982 e não faço abates clandestinos. Não faço nada em que não esteja lá o corpo de inspeção”, garante.
Um veterinário, que trabalha há mais de 20 anos em matadouros, pediu anonimato para explicar que todos os abates são acompanhados pelo corpo de inspeção sanitária, que integra agentes da própria Direção-Geral de Alimentação eVeterinária. “Ao fazerem esse acompanhamento, os médicos-veterinários já estão a garantir as condições em que os animais são abatidos”, diz, alertando que há “grande cuidado” ao nível do maneio, porque “tem reflexo no produto final que chega às prateleiras”.
Cristina Rodrigues percebe o argumento, mas defende que uma das vantagens na instalação das câmaras passa pelo “aperfeiçoamento do maneio dos animais, permitindo verificar facilmente o que está a ser bem ou mal feito e quais os pontos de maior tensão”.