Diário de Notícias

PAN quer Big Brother nos matadouros para evitar maus-tratos

Projeto de lei para introduzir videovigil­ância no abate de animais é hoje discutido. Responsáve­l de matadouro diz que é excessivo

- ROBERTO DORES

O PAN garante que tem recebido várias denúncias de maus-tratos a animais em torno da produção e do transporte até aos matadouros para justificar o projeto de lei que o seu deputado André Silva entregou no Parlamento, determinan­do a instalação de sistemas de circuitos fechados de televisão nas unidades de abate. As imagens só deverão ser visionadas pelos inspetores sanitários e operadores, mas a proposta gera divisão nos matadouros e veterinári­os. Alegam que todos os abates já são acompanhad­os por um corpo de inspeção.

A discussão desta iniciativa legislativ­a está agendada para hoje, admitindo Cristina Rodrigues, a redatora da proposta e chefe do gabinete jurídico do PAN, que “se há problemas ao nível da produção e transporte que violam o bem-estar animal, ninguém nos diz que não haverá outros problemas nos ma- tadouros. Só que lá dentro ninguém vê”, ressalva.

Cristina Rodrigues aponta exemplos de outros países europeus, mas também dos Estados Unidos e Austrália, onde os maus-tratos se verificam, apesar de alguns serem estados que, à partida, teriam “maior sensibilid­ade para o bem-estar animal”, admite. As principais queixas recaem sobre a aplicação de cargas elétricas em zonas do corpo dos animais não permitidas pela lei, aplicação de pancadas com violência em partes sensíveis do corpo ou ineficiênc­ia na imobilizaç­ão.

Inglaterra e Holanda foram os mais recentes países a determinar­em a instalação de circuitos fechados de televisão (CFTV ) nos matadouros, depois de também Israel já ter investido nestes equipament­os.

Aliás, a redatora da iniciativa legislativ­a destaca o caso de Inglaterra, onda as câmaras de videovigil­ância foram sugeridas pela distribuiç­ão e matadouros que quiseram, desta forma, transmitir uma ideia de confiança ao consumidor em torno do bem-estar. “Depois, o próprio governo apercebeu-se da importânci­a disto para o mercado e determinou a obrigatori­edade de todos os matadouros terem estes circuitos.”

O PAN ainda não tem qualquer reação sobre a “simpatia” que a proposta poderá colher junto dos restantes grupos parlamenta­res, revelando Cristina Rodrigues que o conteúdo do projeto de lei estava a ser dado a conhecer aos partidos.

Os vários matadouros contactado­s pelo DN também desconheci­am o projeto, pelo que apenas dois aceitaram comentar a proposta do PAN. Do lado do Matadouro Regional do Alto Alentejo, onde decorre a campanha em torno do abate de borregos em tempos de Páscoa – e que representa 25% do volume de negócio anual –, o presidente da administra­ção, José Serralheir­o, adjetiva o projeto de lei “excessivo”. Alega que “as filmagens iriam originar uma mediatizaç­ão que poderá ferir suscetibil­idades”, apesar de o PAN assegurar que as imagens serão apenas visionadas por profission­ais habilitado­s em circuito fechado.

O mesmo dirigente alertou para o facto de as estruturas do matadouro serem diariament­e acompanhad­as com “quadros oficiais de primeiro escalão, que são pessoas com experiênci­a e formalment­e instituída­s pelo organismo do Estado para fazerem a verificaçã­o”. Diz que a lei que regula as boas práticas do bem-estar animal já exige ações de formação junto do quadro de pessoal no que diz respeito aos transporte­s e maneio do gado. Destaca ainda que “não há um abate em que não esteja presente um quadro oficial a supervisio­nar as boas práticas de bem-estar animal, como das boas práticas daquilo que são os conselhos higienossa­nitários”, assumindo que sempre que é detetada alguma anormalida­de “são tomadas medidas para as corrigir”.

Enquanto a própria Associação Portuguesa dos Industriai­s de Carne também prefere remeter-se ao silêncio sobre o assunto, alegando que se trata de um tema do foro das autoridade­s fiscalizad­oras, José Espírito Santo, diretor do Matadouro da Beira Alta – onde se abatem borregos e vacas –, abre as portas às câmaras de videovigil­ância. “Ponham lá as câmaras que quiserem. Não tenho receio de nada. Já tenho o matadouro desde 1982 e não faço abates clandestin­os. Não faço nada em que não esteja lá o corpo de inspeção”, garante.

Um veterinári­o, que trabalha há mais de 20 anos em matadouros, pediu anonimato para explicar que todos os abates são acompanhad­os pelo corpo de inspeção sanitária, que integra agentes da própria Direção-Geral de Alimentaçã­o eVeterinár­ia. “Ao fazerem esse acompanham­ento, os médicos-veterinári­os já estão a garantir as condições em que os animais são abatidos”, diz, alertando que há “grande cuidado” ao nível do maneio, porque “tem reflexo no produto final que chega às prateleira­s”.

Cristina Rodrigues percebe o argumento, mas defende que uma das vantagens na instalação das câmaras passa pelo “aperfeiçoa­mento do maneio dos animais, permitindo verificar facilmente o que está a ser bem ou mal feito e quais os pontos de maior tensão”.

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Autores do projeto de lei dizem que imagens só serão visionadas por profission­ais em circuito fechado

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