Diário de Notícias

Marion Cotillard é um achado a fazer de Marion Cotillard!

CINEMA Simpática sátira de Guillaume Canet, Rock n’ Roll, onde ele e a mulher, Marion Cotillard, estilhaçam as suas próprias personae

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O realizador de Pequenas Mentiras entre Amigos e de Laços de Sangue tem um pequeno problema: é também um dos atores mais celebrados do cinema francês. Pois bem, neste seu novo filme decide enfrentar o problema de frente e inventa uma história em que ficamos a conhecer a sua intimidade, a dele e a de Marion Cotillard, a sua mulher. Não é todos os dias que chega uma sátira em que grandes estrelas fazem de si próprias. Rock n’Roll é também sobre a crise de uma certa masculinid­ade. Um inventário da fragilidad­e masculina da geração 70, aquela altura em que os homens sentem que já não são tão “rock ‘n’ roll” e a crise de meia-idade pode chegar de rompante.

Gozo durinho ao cinema francês comercial e às suas perceções, Rock n’ Roll acerta em cheio quando fica com humor áspero sobre as expectativ­as do lugar do homem masculino nos dias de hoje e no jogo das aparências das celebridad­es francesas (o alcance, note-se, é bem universal), não faltando convidados de luxo a “desbundar” com a sua perceção, do falecido Johnny Hallyday (uma sequência em que o cantor-ídolo brinca com o seu estatuto de estrela suprema em França e que inclui a sua viúva, uma divertida Laetitia) a Yvan Atall (aqui na vertente de produtor, ele que é de facto o produtor do filme), passando por Kev Adams (novo menino querido da comédia francesa), Gilles Lellouche (cúmplice de Canet em outros trabalhos) ou mesmo o americano Ben Foster (ator com fama de “intenso”). Canet tem imensa piada no humor metarrefer­encial e cruel consigo próprio e com a pobre Cotillard, uma atriz demasiado centrada em si mesma e que nesta história está obcecada com um papel que vai fazer para o canadiano Xavier Dolan, não abdicando de falar em permanênci­a com sotaque québécois. Uma Cotillard que está na comédia com uma força dramática notável (veja-se a sequência da sua vitória nos Césares). Ela e o companheir­o encenam um princípio teórico de atores prontos a entrar num sistema de dissolução da sua própria experiênci­a de celebridad­e. O resultado é um ato final hiperboliz­ado e que não importa aqui contar (a transforma­ção física deste Guillaume Canet no fim é só por si um enorme spoiler). E, nesse sentido, o final mais “radical” é contraste e contrapont­o com um tom de leveza autorrefer­encial que poderia ser mera preguiça autoral e que o filme chega a prometer.

Rock n’Roll vai agradar aos fãs dos Monty Python que percebam o sentido de humor de um Michel Houellebec­q... Só vai criar resistênci­as a quem não quiser tentar desvendar o habitat das pequenas piadas internas do star system francês. Um star system profícuo em motivos de troça... Canet está a desmontar um certo elitismo francês. Talvez por isso, o filme foi algo ignorado por uma certa crítica francesa mais snobe. RUI PEDRO TENDINHA

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Canet e Cotillard na intimidade

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