Diário de Notícias

OS DESAFIOS DE MAY A UM ANO DO BREXIT

Reino Unido. Primeira-ministra faz hoje périplo de 15 horas por todo o país em defesa da saída britânica da UE a 29 de março de 2019

- PATRÍCIA VIEGAS

A partir de hoje, às 23.00, fica a faltar um ano para o Reino Unido sair da União Europeia (UE). Muito se tem dito e escrito sobre o assunto. À parte as manifestaç­ões de apoio dos europeus em relação aos britânicos no caso do ex-espião russo, o clima entre Bruxelas e Londres tem sido de tenso braço-de-ferro, numa dura negociação sobre o que deve ser o acordo final. Sob pena de, às 23.00 de 29 de março de 2019, não haver mesmo acordo nenhum. Algumas vozes têm surgido em defesa de um segundo referendo, mas o governo britânico não quer ouvir falar disso e só admitiu uma votação do acordo pelo Parlamento. E ultimament­e surgiram denúncias a pôr em causa a vitória do brexit na consulta de 23 de junho de 2016, por 51,89% contra 48,11%. De qualquer forma, os britânicos mantêm as suas posições, ou seja, quem defendia a saída da UE continua a defendê-la. Por isso, importante­s desafios se colocam à primeira-ministra Theresa May, que ontem voltou a garantir que o brexit irá mesmo acontecer e joga a sua própria sobrevivên­cia política ao longo deste ano. Em contagem decrescent­e para a saída, a líder do Partido Conservado­r assinalará a data de hoje com um périplo de 15 horas pelo Reino Unido, que começa às 07.00 na Escócia.

“Vivemos numa democracia e tivemos uma votação. Se votámos para sair, vamos sair”, diz à Reuters Nichols-George, um pescador de Great Yarmouth. “Devíamos sair da União Europeia e devíamos sair já, sem mais confusões, estão a levar muito tempo à volta disso. Façam-no, simplesmen­te, com hard brexit, com o que for, quero lá saber”, desabafa Philip Blake, enquanto corta carne no talho que é propriedad­e da sua família. Great Yarmouth, Inglaterra, tem a mais baixa taxa de pessoas com formação universitá­ria e a maior taxa de desemprego do país. Em Norwich, a 34 quilómetro­s de distância, o sentimento sobre a UE não poderia ser mais diferente, constatou a mesma reportagem da Reuters. “Odeio isto, de verdade, odeio. Falta um ano e isto é um desastre. Só queria poder voltar atrás”, afirma Gaye Sorah quase em lágrimas. “Este é um grande túnel sem luz ao fundo, e isso preocupa-me. Acho que talvez todos devêssemos ter uma segunda oportunida­de, mas acho que não vai acontecer”, confessa Robin Platten, admitindo estar arrependid­o por ter votado a favor do brexit. Algumas figuras, como o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, defenderam um segundo referendo. “As pessoas agora veem-se como defensoras ou como opositoras da saída”, constatou Sara Hobolt, professora da London School of Economics, estimando, contudo, que 80% a 90% dos britânicos não mudaram de ideias desde o referendo de 2016.

Ao longo deste ano, May enfrenta desafios externos e internos. A nível externo, a negociação do acordo com Bruxelas. Na proposta que fez, a líder britânica exigiu um acordo especial para o Reino Unido, recusando a jurisdição do Tribunal Europeu de Justiça no pós-brexit, mas defendendo a permanênci­a dos bri-

tânicos nalgumas agências europeias, como por exemplo a do medicament­o. May recusou também a permanênci­a da Irlanda do Norte do mercado comum, defendida pela Comissão Europeia. Isso poderia fazer regressar uma fronteira entre as duas Irlandas. O presidente do Conselho Europeu avisou que a questão da Irlanda está em primeiro lugar e que enquanto não for resolvida não se avançará na discussão de outros temas. Além disto, Theresa May enfrenta o atual conflito com a Rússia, no caso do ex-espião envenenado em território britânico. Nesse campo, conseguiu a solidaried­ade da UE. Sendo membro da NATO, o que aconteceri­a se o seu país já não fosse Estado membro da UE? May tem sublinhado a necessidad­e de um acordo pós-brexit que dê enfoque especial à questão da cooperação na segurança.

A nível interno, os desafios da primeira-ministra britânica não são menores. O acordo sobre a transição que está agora na Câmara dos Lordes é um deles. Apesar de não ser de esperar que os eleitos bloqueiem o acordo, podem emendá-lo e, por isso, são de esperar con- cessões do governo e um pinguepong­ue parlamenta­r ao longo dos próximos meses. Outro grande desafio tem que ver com a futura lei da imigração.Vários países, incluindo Portugal, expressara­m a sua preocupaçã­o em relação à garantia dos direitos dos cidadãos comunitári­os que vivem, trabalham e estudam no Reino Unido. A ministra do Interior britânica afirmou ontem que a nova lei sobre o controlo da imigração no pós-brexit está atrasada e não é neste momento a prioridade. Amber Rudd anunciou, porém, a contrataçã­o de mais de mil agentes fronteiriç­os para controlar portos e aeroportos depois do brexit. Como o Reino Unido vai deixar de estar na Política Agrícola Comum, o governo tem de arranjar uma política própria. O mesmo sucede com as pescas (área sempre controvers­a). Saindo os britânicos da Euratom e do mercado comum será preciso também nova legislação sobre garantias na área do nuclear e das tarifas aduaneiras ou do IVA. O teste final será a votação, no Parlamento britânico, do acordo final do brexit. May espera que aconteça no final de 2018 ou no princípio de 2019, para ter tempo de renegociar com Bruxelas se necessário. E se o acordo for rejeitado? E se não houver acordo? O governo diz que há brexit à mesma. Mas a liderança de Theresa May – tal como aconteceu com a de David Cameron após o referendo – pode ficar em causa.

 ??  ??
 ??  ??
 ??  ?? “O brexit vale mesmo a pena?”, pergunta esta faixa exibida numa manifestaç­ão recente contra o brexit. Apesar de tudo, diz professora da LSE, 80% a 90% dos britânicos não mudaram de ideias. Primeirami­nistra britânica, Theresa May, garante que brexit vai...
“O brexit vale mesmo a pena?”, pergunta esta faixa exibida numa manifestaç­ão recente contra o brexit. Apesar de tudo, diz professora da LSE, 80% a 90% dos britânicos não mudaram de ideias. Primeirami­nistra britânica, Theresa May, garante que brexit vai...

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal