As lições da Guerra do Iraque 15 anos depois
Passaram 15 anos desde o início de um dos episódios mais fatídicos do início do século XXI: a Guerra do Iraque. Após os atentados de 11 de setembro de 2001, o jornal francês Le Monde declarou: “Nous sommes tous Américains” (“Somos todos americanos”), e até previu que a Rússia se tornaria o principal aliado dos EUA. Mas a invasão do Iraque pelo presidente dos Estados Unidos, GeorgeW. Bush, em março de 2003, desfez completamente essa previsão.
Sabemos agora que a guerra, além de ter causado muitos dos atuais problemas do Médio Oriente, marcou o início do fim da hegemonia pós-Guerra Fria dos EUA. Também sabemos que, embora tenha sido vendido como parte da “guerra ao terror”, o trabalho preparatório para a invasão foi feito bem antes do 11 de Setembro.
Já em janeiro de 1998, o Projeto para um Novo Século Americano (PNAC), neoconservador, enviou uma carta ao então presidente Bill Clinton, instando-o a derrubar Saddam Hussein. E, após ganhar a presidência em 2000, Bush classificou o Iraque como uma das suas duas principais prioridades de segurança. O facto de o governo Bush incluir dez dos 25 signatários da declaração de princípios fundadores do PNAC, incluindo Dick Cheney como vice-presidente e Donald Rumsfeld como secretário da Defesa, não foi uma coincidência.
Rapidamente, o governo Bush ficou obcecado com a promoção da ideia de que o Iraque tinha armas de destruição em massa, apesar da ausência de qualquer prova conclusiva. Em setembro de 2002, Rumsfeld recebeu um relatório dos serviços secretos, agora desclassificado, afirmando que “não sabemos exatamente o quanto não sabemos” sobre o “estado dos programas de armas de destruição em massa” no Iraque. Não fez qualquer diferença.
Com toda a probabilidade, o Médio Oriente teria sido poupado a um grande sofrimento se os Estados Unidos agissem com mais cautela e rigor, como Hans Blix – chefe da Comissão de Monitorização,Verificação e Inspeção das Nações Unidas – havia aconselhado. Em maio de 2003, a bordo do porta-aviões USS Abraham Lincoln, Bush fez um discurso à frente de uma faixa que declarava “Missão Cumprida”. Mas se a missão era libertar o Iraque do terror, reconstruir o país e aumentar a segurança a todos os níveis, foi um fracasso absoluto.
É consensual que a guerra no Iraque causou muitos mais problemas do que resolveu. Políticos proeminentes dos EUA que apoiaram a invasão de 2003 – incluindo muitos republicanos – admitem agora que foi um erro, assim como a maioria dos americanos. Mas, embora a invasão de 2003 tenha sido uma política profundamente errada, tanto na forma como na substância, o caos que consumiu o Iraque e o resto da região resultou de erros adicionais cometidos pelos políticos americanos depois de Saddam ter sido retirado do poder.
Acima de tudo, houve a política de “desbaathificação” do governo Bush, que procurou eliminar todos os vestígios do regime “neobaathista” de Saddam. O Iraque é um país de maioria xiita, mas o aparelho político de Saddam era dominado por sunitas, muitos dos quais tinham adquirido profundas convicções religiosas durante um período de islamização nos anos 1990. Depois de serem excluídos do processo de reconstrução, muitos sunitas recorreram ao sectarismo militante.
A desbaathificação também levou ao desmantelamento do exército iraquiano. Milhares de militares, subitamente privados de rendimento e estatuto, encontraram uma nova esperança na incipiente insurgência sunita salafita, liderada pela Al-Qaeda no Iraque, precursora do Estado Islâmico (EI). Os insurgentes opunham-se não apenas à ocupação americana, mas também aos que seriam os seus beneficiários: principalmente a maioria xiita.
Alguns ex-baathistas acabaram nos centros de detenção dos EUA, onde as práticas abusivas eram generalizadas. Enquanto estavam internados em centros como Camp Bucca, no Sudeste do Iraque, ex-baathistas e salafitas misturavam-se, e a experiência militar dos primeiros fundia-se com o extremismo ideológico dos segundos. Quando o EI proclamou o seu “califado” em 2014, calcula-se que 17 dos seus 25 principais comandantes – incluindo o líder do grupo, Abu Bakr al-Baghdadi – passaram algum tempo nos centros de detenção dos EUA entre 2004 e 2011.
Entretanto, o sectarismo estava a criar estragos no governo iraquiano liderado pelos xiitas. Em 2010, o primeiro-ministro em exercício, Nouri al-Maliki, foi reeleito, apesar de a sua Coligação do Estado de Direito ter conquistado menos lugares no Parlamento do que o Movimento Nacional Iraquiano mais moderado, liderado por Ayad Allawi. A administração de Barack Obama poderia ter contribuído para ajudar Allawi a formar um governo, mas optou por permanecer à margem, permitindo que Maliki – a escolha preferida do Irão – se apegasse ao poder. As políticas de Maliki tornaram-se cada vez mais personalistas, clientelistas e polarizantes, alimentando o jihadismo salafita, que sofreu vários golpes antes das eleições de 2010.
A recusa do governo Obama em apoiar Allawi foi um precursor da sua retirada prematura do Iraque no final de 2011. Ambas as decisões abriram caminho para a insurgência jihadista que já estava a avançar para a vizinha Síria. Menos de três anos depois, os EUA foram forçados a regressar ao Iraque; pouco depois disso lançou também uma intervenção na Síria.
Agora, após uma longa e árdua campanha, o EI perdeu a maior parte do território que já deteve na Síria e no Iraque. Mas os últimos 15 anos demonstraram que não podemos ser complacentes. Privar o EI do seu território não elimina a ideologia que o sustenta. Na verdade pode radicalizá-la ainda mais.
Olhando para o futuro, a esperança é que as eleições gerais do Iraque em maio gerem um governo comprometido em governar por consenso, mantendo a estabilidade e defendendo as instituições do país. Além disso, o próximo governo terá de se aproximar dos curdos iraquianos defensores da independência e encontrar uma maneira satisfatória de os integrar no processo político.
Para os EUA, em particular, uma das lições mais importantes dos últimos 15 anos é que as intervenções militares que têm como objetivo uma mudança de regime levarão quase sempre ao desastre, especialmente na ausência de um plano sensato para o que vem a seguir. A Guerra do Iraque mostrou que o custo de abandonar unilateralmente os canais diplomáticos pode ser enorme.
Espera-se que o governo Trump – em especial o novo secretário de Estado, Mike Pompeo – dê ouvidos a essas lições enquanto aumentam as tensões com o Irão. A crescente influência regional do Irão deve muito aos erros dos Estados Unidos no Iraque, a começar pelo abandono da diplomacia. Uma abordagem americana ao Irão semelhante àquela levaria a outra geração, ou a mais, de turbulência no Médio Oriente.
Javier Solana foi também alto representante da UE para a Política Externa e de Segurança e ministro dos Negócios Estrangeiros de Espanha. Atualmente é presidente do Centro para a Economia Global e Geopolítica da ESADE e membro distinto da Brookings Institution.