Mudar de vida, de nome, de sexo
Júlia, Daniela, Letícia, Francisca, Andreia, André e Lourenço têm uma coisa em comum: não se identificavam com o género com o qual nasceram e agiram para mudar de forma a ficarem mais próximos daquilo que era a imagem que gostariam de projetar. São apenas meia dúzia entre os mais de 500 portugueses que nos últimos seis anos mudaram de nome e/ou de sexo. Mas ainda que a lei aqui lhes permita ir muito mais além do que se tivessem nascido em quase qualquer outro lugar do mundo, dizem que ainda falta dar passos importantes.
Na sexta-feira, o Parlamento deverá votar novas alterações à lei da identidade de género que preveem por exemplo, na versão do BE, que a alteração de nome e sexo possa ser feita logo aos 16 anos e sem precisarem de autorização dos pais ou sequer de análise e acompanhamento de especialistas.
Ninguém que não esteja na pele de um transgénero poderá imaginar o sofrimento, a confusão e a discriminação que quem nasce num corpo com o qual não se identifica pode sentir. E é precisamente por isso que as premissas que o BE entende como libertadoras devem ser vistas com cuidado. Passar por um processo tão complexo, com tamanho nível de dor e com consequências quer física quer psicologicamente tão exigentes não pode ser tomado como algo simples. Alguém que vive metade da vida sem se ver quando olha para o espelho precisa de quem esteja ao seu lado, de quem lhe saiba explicar o que toda a vida sentiu e o que pode vir a ver e a sentir caso decida mudar. Até a alteração do nome num cartão de cidadão pode parecer coisa sem importância – até quem o fez se ver confrontado com a distinção entre o nome e a imagem, por exemplo.
Serve o exemplo para explicar que não se pode encarar com leveza aquilo que é tudo menos descomplicado, sob pena de se prejudicar precisamente aqueles que se pretende proteger. A questão é demasiado complexa para ser vista pelos óculos de fações e movimentos. Só olhando-a com seriedade é possível chegar à verdadeira proteção.