O inesperado volta a acontecer na Catalunha
Embora em Madrid Mariano Rajoy e os constitucionalistas se encontrem em euforia festiva pela detenção de Carles Puigdemont – que a polícia alemã, em colaboração com a sua homónima de segurança interna espanhola (Centro Nacional de Inteligência), mantinha sob discreta vigilância –, entendo que o repatriamento do ex-presidente da Generalitat não é claro.
E isto porque o mandado de detenção europeu consiste numa decisão judiciária emitida por um Estado membro com a finalidade de detenção e entrega a outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou cumprimento de pena.
Quando é conhecido o paradeiro de alguém a contas com a justiça, a autoridade judicial emitente de um mandato de detenção pode comunicar diretamente com as autoridades de um Estado, por forma a ser tramitada e executada com urgência a ordem de detenção emitida.
Após a detenção segue-se um procedimento judicial para apreciação do pedido de extradição, aplicando-se os trâmites processuais previstos na legislação, no caso vertente, na legisla- ção alemã. E até que haja uma decisão, esses trâmites processuais de extradição poderão chegar a demorar dois meses. Primeiramente, é perguntado ao detido se aceita voluntariamente ser entregue às autoridades, no caso concreto, às autoridades espanholas que o procuram. Em caso afirmativo, a entrega processar-se-á então num prazo de dez dias. Se o detido, que dá pelo nome de Carles Puigdemont não aceitar, decorrerá o processo de apreciação dos pressupostos do mandado.
Na Alemanha, o crime de rebelião não se encontra previsto no código penal daquele país. Percorrendo-o, encontramos o crime de alta-traição à pátria e o crime de alta-traição contra um estado da República Federal, ambos previstos nos artigos 81.º, 82.º e 83.º, cujos pressupostos para a punibilidade são o uso da força (violência) ou a ameaça do uso dessa mesma força para alterar a ordem constitucional, ou seja, para derrubar o regime constitucional vigente ou, no caso de um estado da República Federal, quem ameace com violência “incorporar o território de um estado, total ou parcialmente, noutro estado” ou tente “separar uma parte desse mesmo estado”.
Em relação ao crime de conspiração para uma operação de alta-traição contra a República Federal a pena varia entre um e dez anos de prisão, e, em casos menos graves, varia entre os três meses e os cinco anos de prisão. Quanto ao crime de alta-traição à pátria, ele poderá ser punido com pena de prisão perpétua (que equivale a um máximo de 25 anos) ou com sentença de prisão não inferior a dez anos. No que diz respeito a Espanha, iguais penas são punidas com um máximo de 30 anos.
Quanto à execução de um mandado de detenção, ela poderá ser recusada nos seguintes casos: quando o crime foi amnistiado no Estado onde o procurado se encontra; se o procurado for inimputável pela sua idade (menor); se o crime imputado não existir na legislação do Estado onde o procurado se encontra ou se esse crime não está reconhecido na lista dos crimes que não necessitam de dupla incriminação. No caso da Bélgica, onde Carles Puigdemont atualmente reside, o crime de rebelião não está previsto no código penal, ao passo que, na Alemanha, como vimos anteriormente, está previsto o crime de alta-traição, crime equivalente ao de rebelião.
Porém, para a Alemanha aceitar a extradição de Carles Puigdemont, tem de aceitar como prova que tenha existido da parte dele violência ou ameaça do uso da mesma e que, com a sua extradição para Espanha, não esteja em risco o respeito pelos seus direitos fundamentais.
Num total foram processados por rebelião 13 políticos da Catalunha, entre os quais conselheiros do governo da Generalitat, deputados e assessores. Ainda não chegou a vez dos Mossos d’Esquadra, cuja pertença às forças militarizadas é absolutamente incompatível com qualquer ato sedicioso.
E posto que há políticos de permeio num caso tão delicado como o da Catalunha, a extradição dos prófugos (desde sexta-feira, com Marta Rovira, que o seu número já vai em sete) poderá ainda ser recusada se se recear que a emissão do mandado é movida por motivos políticos.
Queira-se ou não, goste-se ou não, a questão catalã foi entregue a tribunais, e isso devido aos equívocos de Mariano Rajoy, facto que sem dúvida fortalece mais a confrontação partidarista do que funcional. Agora com passagem obrigatória pela Alemanha, o inesperado volta a acontecer na Catalunha.