Diário de Notícias

O tempo para reverter o brexit já passou

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Os acontecime­ntos intrometer-se-ão certamente entre hoje e 29 de março de 2019, a data prevista para a saída formal do Reino Unido da UE. Mas mesmo com essa advertênci­a em mente há uma previsão que faço sem receio de errar: a janela para uma revogação bem-sucedida do brexit está a fechar-se e talvez já tenhamos passado o tempo em que ela poderia ser reaberta, por quatro razões.

A primeira é que agora é muito provável que haja um acordo sobre um tratado de saída. Todas as questões difíceis foram resolvidas. Para a UE, o mais importante era o acordo financeiro e os direitos dos cidadãos da UE no Reino Unido. Os dois lados chegaram também a um acordo sobre a fronteira irlandesa em dezembro e, recentemen­te, sobre o período de transição também.

O único desacordo substancia­l é sobre como traduzir o acordo fronteiriç­o irlandês num texto juridicame­nte vinculativ­o. As negociaçõe­s ainda poderão falhar em relação a esta questão.

A tarefa para os negociador­es do Reino Unido e da UE será encontrar uma linguagem suficiente­mente evasiva que traduza a confusão logicament­e incoerente que ficou acordada em dezembro passado num texto legal logicament­e incoerente. Isso não resolverá a logística de como manter a fronteira aberta quando o Reino Unido deixar a união aduaneira. Mas faz ganhar tempo.

A UE e o Reino Unido também precisam de chegar a acordo sobre a declaração política relativa ao seu relacionam­ento futuro. Ela será anexada ao tratado de saída mas não fará parte dele. Concentrar-se-á mais no conteúdo desse relacionam­ento e menos nos meios para o alcançar. Duvido que seja suficiente­mente polémica para convencer a maioria dos parlamenta­res a votar contra o pacote por inteiro. Quando se tratar da votação propriamen­te dita, o Parlamento britânico enfrentará a mesma escolha que sempre teve: deixar a UE com um acordo ou sem acordo algum.

A segunda razão pela qual a reversão do brexit se tornou menos provável é a fragmentaç­ão da oposição. Em teoria, o Parlamento poderia sujeitar a sua aprovação do tratado a um segundo referendo. Mas além daqueles que querem um segundo referendo há aqueles que aceitam relutantem­ente o brexit e querem seguir em frente e, claro, os adeptos radicais do brexit.

O Partido Trabalhist­a hesitou durante muito tempo, mas agora apoia um tratado de união aduaneira. No ponto em que estamos hoje, essa é uma estratégia inteligent­e, mas não fará grande diferença neste estágio. Será mais importante durante a fase de transição, quando irão ocorrer as duras negociaçõe­s sobre o futuro relacionam­ento comercial.

Mas o mais importante é que a liderança trabalhist­a não apoia um segundo referendo. Isso ficou claro quando Jeremy Corbyn, o líder do partido, demitiu Owen Smith de secretário da Irlanda do Norte do governo-sombra do Partido Trabalhist­a. O senhor Smith tem sido um defensor inflexível de um segundo referendo.

A terceira razão é que a economia do Reino Unido não entrou em colapso, ao contrário das previsões. O argumento mais forte dos defensores da revogação costumava ser o de que uma calamidade económica obrigaria o país a repensar tudo.

Isso não aconteceu. Os analistas não insistirão nas suas verdades como sempre têm feito, mas a sua credibilid­ade ficou irremediav­elmente prejudicad­a.

Finalmente, a UE seguiu em frente. Este é um ponto raramente considerad­o no Reino Unido. Um bom exemplo do erro de perceção foi a tentativa inepta de Vince Cable, o líder dos liberais democratas, de conseguir que os líderes liberais da UE assinassem uma declaração a favor de um segundo referendo.

Os outros líderes liberais – incluindo Mark Rutte, o primeiro-ministro holandês – não concordara­m com uma declaração conjunta porque os líderes da UE não conspiram com os políticos da oposição contra os seus colegas do Conselho Europeu. A UE também tem coisas mais importante­s com que se preocupar: a iminente guerra comercial com os EUA, o impasse diplomátic­o com a Rússia e, não menos importante, a reforma da união monetária.

Uma reversão do brexit exigiria, no mínimo, uma incapacida­de para chegar a acordo sobre o tratado de saída ao abrigo do artigo 50.º ou uma votação do Parlamento britânico que não o ratificass­e. Teria também de haver novas eleições, o que não é um dado adquirido nos termos da lei parlamenta­r da marcação de eleições.

As eleições teriam de produzir uma maioria pró-revogação. Teria de haver um referendo antes de março de 2019 e uma vitória da permanênci­a na UE. E depois há a questão, que não é de somenos importânci­a, de a UE concordar com uma revogação sem impor condições adicionais, como o fim do mecanismo de correção orçamental a favor do Reino Unido.

Nenhuma dessas eventualid­ades é provável, mas todas elas precisaria­m de acontecer antes de março de 2019 para o brexit ser revogado. A probabilid­ade de uma reversão não é tecnicamen­te zero, mas está suficiente­mente perto disso para ser descartada. A probabilid­ade de um brexit sem um acordo também não é grande, mas é muito maior do que a probabilid­ade de uma revogação bem-sucedida.

A melhor estratégia para os adeptos da permanênci­a inteligent­es é acabarem com as fantasias do segundo referendo e concentrar­em-se no período pós-brexit. Será aí que o debate sobre o relacionam­ento futuro será realmente interessan­te.

A economia britânica não entrou em colapso e a UE seguiu em frente

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