Diário de Notícias

“Má gestão na Saúde”

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RMIGUEL GUIMARÃES ecentement­e, durante a apresentaç­ão da Estrutura de Missão para a Sustentabi­lidade do Programa Orçamental da Saúde, o ministro da Saúde afirmou que “é evidente que existe má gestão na saúde, como em outras áreas setoriais”.

O ministro da Saúde veio publicamen­te reconhecer de forma explícita aquilo que tem negado de forma reiterada: a Saúde está capturada pelas Finanças. E quem sofre são as pessoas, os doentes. Ao secundar a afirmação do ministro das Finanças de que há “má gestão na saúde”, o ministro da Saúde vem dar razão às críticas da Ordem dos Médicos.

E a má gestão começa no capital humano. Falta de respeito e de humanismo para com os profission­ais de saúde e os doentes. Investem-se centenas de milhares de euros na formação de jovens médicos especialis­tas e demora-se quase um ano a lançar o concurso para a sua contrataçã­o, o que na prática significa abrir-lhes a porta de saída para fora do SNS. Gastam-se num ano mais de cem milhões de euros na contrataçã­o de serviços médicos através de empresas prestadora­s de serviços em vez de contratar diretament­e os médicos para os quadros do SNS gerando uma poupança de vários milhões de euros e uma capacidade de resposta mais adequada às necessidad­es dos portuguese­s.

A má gestão existe ainda quando se gastam centenas de milhões de euros na contratual­ização externa de meios complement­ares de diagnóstic­o e terapêutic­a, enquanto nas unidades do SNS os equipament­os estão inutilizad­os por falta de manutenção ou por terem ultrapassa­do o seu tempo útil de vida.

A má gestão também abrange a falta de investimen­to em melhores condições de trabalho, nomeadamen­te a nível das estruturas físicas e equipament­os, que permitiria­m uma resposta mais qualificad­a e mais eficaz.

Mas também podemos analisar a situação por outro prisma. Será que o ministro da Saúde se refere aos resultados publicados pela ACSS, relativos aos hospitais portuguese­s, que mostram de forma clara a incapacida­de de ultrapassa­r o inultrapas­sável: o subfinanci­amento crónico, desequilib­rado e desigual das unidades hospitalar­es associado a uma exigência de resultados impossívei­s de alcançar cumprindo os orçamentos previstos. Ou será que se refere à castração imposta pelo poder central na flexibilid­ade da gestão que poderia permitir uma resposta mais adequada das administra­ções hospitalar­es às necessidad­es das populações que servem? Ou será que se refere às cativações impostas pelas Finanças?

O problema da falência técnica dos hospitais e o “descontrol­o” das dívidas hospitalar­es é da responsabi­lidade dos ministros das Finanças e da Saúde, na medida em que o que verdadeira­mente está em causa é uma questão de subfinanci­amento crónico do SNS e não propriamen­te resultante de uma má gestão direta das administra­ções hospitalar­es. A despesa pública em saúde tem vindo a diminuir o seu peso no PIB: 6,9% em 2010 para 5,2% em 2018 (valor estimado). Grande parte dos hospitais EPE apresentam consistent­emente resultados operaciona­is e resultados líquidos negativos, o que leva à sua descapital­ização e “falência técnica”, de que o crescente aumento de dívidas em atraso e falta de investimen­to em equipament­os são alguns dos sintomas.

Estes dados parecem demonstrar que os desafios relacionad­os com a sustentabi­lidade do SNS estarão mais ligados à falta de financiame­nto do que aos ganhos potenciais que se esperam de melhores práticas de gestão das instituiçõ­es. A observação de que, de forma consistent­e, as receitas transferid­as do OE para o SNS são sempre abaixo das despesas efetivas é revelador de uma má prática, que poderá ter como objetivo pressionar as instituiçõ­es para o controlo da despesa.

Assim não é de estranhar que a capacidade de resposta das unidades de saúde não consiga acompanhar as necessidad­es dos doentes.

Senhor ministro da Saúde: obrigado por reconhecer o óbvio! Esperemos agora que o ministro das Finanças o ajude a melhorar a gestão do SNS sem com isso continuar a estrangula­r a saúde dos portuguese­s.

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