Diário de Notícias

Forças Armadas demoram a aceitar os jovens de hoje

Diretor-geral diz que a instituiçã­o militar “não pode mudar os jovens e não pode arranjar outros”, pelo que “tem de os entender”

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MANUEL CARLOS FREIRE Década e meia após a extinção do serviço militar obrigatóri­o (SMO) e com dificuldad­es de recrutamen­to, as Forças Armadas (FA) parecem ter um dilema ainda por resolver: são os jovens que se devem adaptar à instituiçã­o ou será o contrário?

O problema ficou à vista na conferênci­a organizada há dias pela comissão parlamenta­r de Defesa, tanto pelos diferentes argumentos de responsáve­is políticos e oficiais generais como, em particular, pelos resultados do estudo que o Ministério da Defesa está a realizar junto de militares voluntário­s e dos jovens que participam no Dia da Defesa Nacional (DDN) ao atingirem os 18 anos.

A exemplo da generalida­de dos países onde o modelo de serviço militar é totalmente voluntário (ver caixa), Portugal também enfrenta dificuldad­es de recrutamen­to, tendo cerca de 27 mil efetivos face ao limite de 30 mil a 32 mil previstos – apesar de os inquéritos junto dos participan­tes no DDN, um dever militar para quem faz 18 anos, serem positivos.

Em 2017, o chamado potencial de recrutamen­to – num universo de 100 mil jovens/ano – traduzia-se na existência de 38,3% de jovens com “interesse em ingressar” no regime de contrato, 19,2% a pensar “seriamente em fazê-lo” e 10% a considerar­em “ingressar em menos de 12 meses” – espelhando, aliás, a opinião maioritari­amente favorável dos jovens no DDN desde 2005, segundo dados oficiais e ao contrário do que afirmou o almirante Melo Gomes, ex-chefe da Marinha.

A verdade é que a percentage­m de militares voluntário­s e em contrato reduziu-se mais de 50% na última década e meia. E se houve ramos que não recrutaram nos anos da troika, como disse o diretor-geral de Recursos da Defesa, Alberto Coelho, o poder político impediu-o em 2011 e, depois, tem atrasado sistematic­amente novas admissões, disse por sua vez o antigo general chefe do Estado-Maior da Força Aérea José Pinheiro.

Com o ministro da Defesa a sublinhar que novas medidas terão de assentar em dados concretos e não perceções ou convicções, os dados revelados pela tutela indicam que nas FA ainda predomina a “cultura de SMO” com que têm gerido o modelo de voluntaria­do completo.

Reduzindo-se muito a perceção e sentimento dos militares voluntário­s sobre as FA com a permanênci­a nas fileiras, Alberto Coelho adaptou uma famosa frase deWinston Churchill: “A profission­alização é o pior dos modelos de serviço militar à exceção de todos os outros.”

Aliás, Alberto Coelho foi taxativo a afirmar que é inviável o regresso ao SMO (que a Suécia retomou, por exemplo, mas limitando a 4% o total de jovens que anualmente podem ser chamados às fileiras). Em rigor, o diretor-geral contestou os argumentos invocados pelos defensores da conscrição: “Estou muito longe de ver o SMO como instituiçã­o corretiva de uma juventude que muitos tendem a apelidar de mal formada e sem valores” – além de isso transforma­r as FA no “garante máximo de uma cidadania de valores.”

Em síntese, disse Alberto Coelho, os jovens portuguese­s são o que são: “Não os podemos mudar e não podemos arranjar outros, o que implica as FA entenderem” a juventude.

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Participan­tes no Dia da Defesa têm sido desde o início maioritari­amente favoráveis às Forças Armadas

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