Diário de Notícias

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MÚSICA Kubrick encomendou a banda sonora de 2001 ao veterano Alex North... mas nunca utilizou a sua partitura

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A história da música de 2001: Odisseia no Espaço dava um filme. O paradoxo é este: a banda sonora original... não está no filme. Rezam as crónicas que o próprio compositor, Alex North (1910-1991), só terá dado conta dessa ausência na sessão de ante-estreia, em Nova Iorque. Em qualquer caso, existem duas edições da sua partitura: uma dirigida por Jerry Goldsmith, gravada em 1993; outra lançada apenas em 2007, mas contendo o registo original, com o maestro Henry Brant.

Autor das bandas sonoras de clássicos como Um Elétrico Chamado Desejo (Elia Kazan, 1951) ou Os Inadaptado­s (John Huston, 1961), North já tinha trabalhado com Stanley Kubrick em Spartacus (1960) e Dr. Estranhoam­or (1964). Kubrick voltou a convidá-lo para 2001, mas nunca lhe deu conta da sua opção por composiçõe­s preexisten­tes.

Servindo para introduzir a coexistênc­ia geométrica dos planetas, a abertura de Assim Falava Zaratustra, o poema sinfónico composto por Richard Strauss em 1896, tornou-se mesmo o emblema musical de 2001. Juntamente com Danúbio Azul, de Johann Strauss (no bailado das naves espaciais), ou Atmosferas, de György Ligeti (na viagem alucinante do astronauta Dave Bowman), as peças utilizadas servem para criar ambiências muito particular­es, quase sempre dispensand­o as palavras (não há diálogos nos 20 minutos iniciais e finais do filme).

Para Kubrick, a música sempre foi um elemento essencial da realização, muito para além de um mero pano de fundo da ação – lembremos o exemplo das canções da década de 1960 (incluindo These Boots Are Made for Walkin’, de Nancy Sinatra) incluídas no seu filme sobre a guerra do Vietname, Nascido para Matar (1987). No caso concreto de 2001, entre a nostalgia inerente à valsa de Strauss e o experiment­alismo de Ligeti, Kubrick terá definido a insólita dialética, de uma só vez musical e simbólica, de um mundo assombrado pelo próprio futuro. Ironicamen­te ou não, esse futuro é também o nosso presente. J.L.

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