“A entrada em bolsa do Spotify só prova que quer ser credível”
Tecnologia. A maior plataforma de distribuição de música chegou a Wall Street no momento em que os autores exigem receber mais, diz o músico Tozé Brito. Tudo começou na Suécia
“Não há problema algum com o Spotify. Paga, mas paga pouco. Abaixo do que achamos justo, estamos a negociar”, afirma Tozé Brito, músico e administrador da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), a propósito da plataforma de distribuição de música que ontem chegou a Wall Street. “É, de longe, a mais forte do mundo. O ser cotada só prova que quer ser credível e transparente”, considera.
Mudou (quase) tudo desde que a 7 de outubro de 2008, a partir da Suécia, Daniel Ek e Martin Lorentzon lançaram este serviço de streaming que propunha passar música à borla com publicidade ou sem “ruído” por uma mensalidade.
Os utilizadores ativos da plataforma são hoje 154 milhões nos 65 mercados em que está disponível, Portugal incluído, desde 2013; 71 milhões são subscritores do serviço premium, acedendo a um catálogo de 35 milhões de obras (música, mas também podcasts e vídeos). Até 31 de dezembro tinham sido pagos oito mil milhões de euros em direitos, de acordo com a empresa.
Números que fazem a diferença, segundo Tozé Brito, em declarações ao DN. “Eles não tinham a noção do que ia acontecer, nem nós. Quando apareceu pusemos um preço baixo, o serviço era novo, provou-se que é próspero, estamos a renegociar.” A renegociar com o Spotify, a entrar em entendimento com o Facebook, com acordos firmados com o Google (detentor doYouTube), confirma o administrador da SPA.
A negociação é feita através da Armonia, que é, por sua vez, uma sociedade de empresas que representam autores de nove geografias – além de Portugal, Espanha, França, Luxemburgo, Bélgica, Itália, Suíça, Áustria e Hungria. Outra sociedade do género é a ICE, que reúne catálogos do Reino Unido, Holanda, Alemanha e países nórdicos.
“O que se negoceia são mínimos”, adianta. “Menos do que um determinado valor não se pode pagar, quem tem mais poder negocial recebe mais.” A francesa Sacem, por exemplo, reúne o catálogo da editora Universal. “Só isso é 50% do catálogo de música estrangeira.” O inventário de títulos portugueses é 1% do total. E, sem revelar números exatos, dá uma ordem de grandeza do que está em causa: “Começámos com 0,002 cêntimos; passámos para 0,02; agora queremos os 0,2 cêntimos.”
Quem continua a receber a maior fatia são os detentoras do master, as editoras. “Durante 50 anos – enquanto eram as editoras que pagavam aos músicos, promoviam a música, prensavam os discos, distribuíam –, o acordo que vigorou foi o BIEM [Comissão Internacional de Sociedades de Gestão de Direitos de Gravação e Reprodução Mecânica] Os autores tinham 10%, as editoras 90%”, diz Tozé Brito. “O que se está a passar agora é que as editoras estão a receber 89% e os autores 1%. As editoras queixam-se, porque o que recebem comparado com o que ganha o Spotify é pouco.”
A história começa a desenhar-se em Ragsved, arredores da capital sueca, no quarto do adolescente Daniel Ek, onde se guardavam os servidores dos websites de negócios locais que começou a desenhar aos 14 anos. Depois de abandonar a faculdade, criou uma empresa de anúncios online que acabaria por ser comprada pela Tradedoubler de Martin Lorentzon, com quem viria a fundar o Spotify.
Ek, com 35 anos, quebrou ontem a regra de discrição quase absoluta, dia de o Spotify chegar à bolsa (não é de menos relembrar), numa entrevista ao CBS This Morning, em que lembrou o princípio de tudo. “Para mim, alguém que cresceu num subúrbio da classe média de Estocolmo não podia adquirir toda a música. Por isso, em 1998, 1999, eu estava realmente a pensar como poderia ter toda a música e fazê-lo de forma legal, compensando o artista.” Nem sempre conseguiu.
Só em 2017, após três anos de litígio, chegou a acordo com Taylor Swift sobre os direitos das canções da cantora norte-americana.