MANIFESTAÇÕES ANTI E PRÓ-LULA NA RUA. JUÍZES VOTARAM PELA MADRUGADA DENTRO
Até ao fecho da edição, só tinham votado cinco dos 11 juízes, entre eles a considerada o fiel da balança, que rejeitou o habeas corpus
A única juíza do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil cujo voto era considerado um enigma votou contra a concessão de habeas corpus a Lula da Silva, pré-candidato às eleições de outubro pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Embora os votos de seis dos 11 juízes do tribunal tenham continuado a ser proferidos ao longo da madrugada em Portugal e portanto para lá do fecho desta edição, a decisão de Rosa Weber foi considerada um sinal forte de que Lula será, de facto, preso a qualquer instante pela posse de um apartamento triplex.
Com isso, confirmada a decisão do STF tendo em conta o voto de Rosa Weber, a palavra é agora de Sergio Moro. O juiz de primeira instância que tem a cargo a Operação Lava-Jato pode mandar prender Lula a partir de hoje.
O primeiro juiz a votar foi Edson Fachin, na condição de relator do processo. Optou pela rejeição do habeas corpus. A seguir votou Gilmar Mendes, um dos mais controversos membros do tribunal: divergiu do relator e empatou o resultado em 1-1. Considerou a prisão em segunda instância “uma balela” e acusou os media de “opressão” e “chantagem” sobre os juízes do STF no sentido de condenar Lula e outros réus da Operação Lava-Jato. Alexandre de Moraes acompanhou Fachin: 2-1 contra o habeas corpus. E Luiz Roberto Barroso também, deixando Lula a perder por três votos contra um. Veio então o voto de Rosa Weber, provavelmente decisivo porque fez o 4-1 parcial, mas que corresponderá a um 6-5 final contra Lula.
O antigo presidente, que acompanhou a sessão ao lado de aliados na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, nos arredores de São Paulo, onde iniciou a sua carreira pública, não se havia manifestado ainda até ao fecho desta edição.
Nas imediações do STF, cerca de cinco mil manifestantes, pró e contra o presidente brasileiro de 2003 a 2010, fizeram-se ouvir logo após o voto de Rosa Weber. As autoridades, por precaução, ergueram barricadas para evitar confrontos e procederam a revistas minuciosas dos manifestantes, proibindo o uso de fogo-de-artifício ou materiais insufláveis, nomeadamente os “pixulecos”, bonecos que ilustram Lula vestido de presidiário. Até ao fecho desta edição não havia relato de tumultos.
Porém, incidentes recentes como os tiros que atingiram a caravana de pré-campanha de Lula pelo Sul do país e as ameaças de morte ao juiz Fachin elevaram a tensão no Brasil. Declarações do general na reserva Luiz Lessa, no sentido de uma intervenção militar no caso de Lula poder vir a ser candidato, também.
A Bolsa de Valores de São Paulo abriu o dia de ontem em violenta baixa. “Sentiu que poderiam acontecer notícias ruins, isto é, uma decisão favorável a Lula”, dizia o analista da L&S Alexandre Wolwacz pela manhã.
No tribunal, a principal questão jurídica que se colocou foi entre o que diz o texto constitucional e a jurisprudência do próprio STF. De acordo com a Constituição, de 1988, ninguém deve ser preso até trânsito em julgado em nome da presunção de inocência – o argumento de Lula e dos juízes que ontem aceitaram o habeas corpus. Por outro lado, segundo sessão do plenário do STF de outubro de 2016, ficou estabelecido que as execuções penais deveriam ser cumpridas a partir da segunda instância para impedir a protelação de ações até à sua prescrição e consequente impunidade – como defenderam os magistrados que rejeitaram o requerimento da defesa e os juízes e os procuradores à frente da Operação Lava-Jato. “Justiça que tarda é justiça que falha”, resumiu a procuradora-geral Raquel Dodge.
Essa questão, porém, é paralela à Lei da Ficha Limpa, aprovada pelo governo Lula, e que impede a candidatura a cargos eletivos de condenados em segunda instância – o caso do antigo presidente. Quase todos os entendimentos jurídicos vão no sentido de que, mesmo livre e apesar de ainda caberem recursos, Lula estaria inelegível. Uma vez solto, ficaria disponível para fazer campanha até ao limite legal por candidatos apoiados por si, como Fernando Haddad ou Jaques Wagner, os dois quadros do PT mais falados como planos B.
Lula da Silva foi condenado em segunda instância a 12 anos e um mês de prisão pela posse de um apartamento oferecido por uma construtora beneficiada no escândalo de corrupção do Petrolão, em torno da petrolífera estatal Petrobrás, o que levou o antigo presidente a recorrer aos tribunais superiores.
“Baixa da Bolsa de Valores de São Paulo? Sentiu que poderiam acontecer notícias ruins, isto é, uma decisão favorável a Lula” ALEXANDRE WOLWACZ ANALISTA DA L&S
“Justiça que tarda é justiça que falha” RAQUEL DODGE PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA
“Se o STF fizer tanta rasteira na lei que permita que [Lula] se eleja, aí não tenho dúvida de que só resta o recurso à reação armada” LUIZ LESSA GENERAL NA RESERVA
“A prisão em segunda instância é uma balela” GILMAR MENDES JUIZ DO STF