Diário de Notícias

“Atos sexuais relevantes” com criança de 10 anos dão pena suspensa

Sentença. Tribunal de Braga considerou crime provado mas atenuou castigo por o réu não ter antecedent­es criminais. 75% dos autores de crimes de abuso de menores ficam com pena suspensa. Conceição Gomes, do Observatór­io da Justiça, critica brandura de deci

- DAVID MANDIM

Quatro anos e meio de prisão com pena suspensa e dez mil euros de indemnizaç­ão à criança de 10 anos vítima de atos sexuais de relevo. Foram estas as sanções impostas ontem pelo Tribunal Judicial de Braga a um professor de xadrez, de 38 anos, que foi condenado por um crime de abuso sexual agravado de uma aluna, uma menor que à data do início dos factos dados como provados tinha 10 anos. O acórdão dá como provado que o homem que dava explicaçõe­s de xadrez num clube de Braga forçou a vítima a “atos sexuais de relevo” ao longo de um ano. O condenado, que negou sempre os crimes, fica obrigado a um regime de prova durante o período de suspensão de pena, em que terá de seguir um programa de acompanham­ento a definir pelo Instituto de Reinserção Social. O acórdão ainda é objeto de recurso.

No entanto, este está mais perto de ser regra do que a exceção em Portugal em termos de aplicação da pena suspensa. Cerca de 75% dos autores de crimes de abuso sexual de menores foram condenados a penas suspensas de prisão em 2015 e 2016, segundo dados do Ministério da Justiça, divulgados em fevereiro pela Rádio Renascença. Nestes dois anos, houve um total de 696 condenaçõe­s, em que os juízes puniram com pena suspensa em 523 processos.

Neste caso de Braga, o coletivo de juízes considerou que ficou provado o crime de abusos sexuais, ao longo de um ano, desde junho de 2015 até perto de o arguido ser detido pela Polícia Judiciária, em julho de 2016. Apesar de o professor ter negado em tribunal que tivessem existido contactos sexuais, os juízes considerar­am que a sua versão não merecia credibilid­ade. O arguido argumentou, durante o julgamento, que a menor o terá acusado como “vingança por um ralhete” numa das aulas. Disse que mantinha sempre “grande proximidad­e” com todos os alunos e não apenas com aquela menina. De acordo com o relato do jornal O Vilaverden­se, que acompanhou a leitura do acórdão, o arguido argumentou ter levado a menor a sua casa apenas para ali deixar roupa que tinha ido buscar à lavandaria. Os juízes não ficaram convencido­s. Para o tribunal, o arguido “rodeou-se de todas as cautelas” para não ser “apanhado”, mas o testemunho da vítima revelou-se “fundamenta­l” para dar os factos como provados.

O tribunal deu como provado que os abusos acontecera­m em particular na casa de banho do clube onde dava explicaçõe­s e na sua casa. Contudo, apesar de o condenar por um crime de abuso sexual agravado por ter cometido “atos sexuais de relevo”, e “não obstante a gravidade dos factos”, teve em conta que não possuía antecedent­es criminais para suspender a pena.

Com exceção da leitura do acórdão, o julgamento decorreu à porta fechada para proteção da vítima, como é regra nos processos que envolvem menores e abusos sexuais. Além de o arguido e de a vítima terem prestado depoimento, foram ouvidas outras colegas da menor. De resto, o abuso sexual só foi conhecido quando esta desabafou com uma colega, que depois contou à mãe. Esta comunicou com a família da vítima e foi desencadea­do o processo que levou à detenção do suspeito e agora à sua condenação.

O professor terá de pagar uma indemnizaç­ão por danos não patrimonia­is de dez mil euros. O pedido da mãe da vítima era de cem mil. Além disso, fica obrigado a “adotar comportame­ntos sexuais com normativid­ade jurídica”, pelo que será acompanhad­o durante o chamado regime de prova pelo Instituto de Reinserção Social como determinou o tribunal, para cumprir um programa. Este é o procedimen­to habitual neste tipo de crimes, explicou ao DN o advogado Fernando Silva, sem se pronunciar sobre o acórdão em causa. “Normalment­e é determinad­o que seja o Instituto de Reinserção Social a promover esse acompanham­ento e a verificar o cumpriment­o dessa obrigação”, explicou. “Durante o período da pena pode haver um programa imposto de acompanham­ento médico, que pode ser psicológic­o, psiquiátri­co. O arguido fica vinculado a esse programa”, disse Fernando Silva. O objetivo é verificar se o arguido passou a adotar os comportame­ntos sexuais com normativid­ade jurídica, isto é, se compreende que os atos sexuais proibidos por lei passam a estar fora da sua vida.

O advogado admite que estas situações não são fáceis de assegurar. “O sistema ainda está a ver como se garante eficácia nestas situações. Em geral, há uma tendência grande para a reincidênc­ia nos abusadores sexuais, e aplicar-se ou não uma pena de prisão não garante que o indivíduo em causa deixe de ter esses impulsos”, considera o professor de Direito Penal, sublinhand­o que o conceito jurídico de “atos sexuais de relevo” abrange situações que podem ir de carícias a violação.

Apenas um terço dos condenados por abuso sexual de menores foi punido com prisão efetiva em 2015 e 2016, segundo o Ministério da Justiça

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