“Atos sexuais relevantes” com criança de 10 anos dão pena suspensa
Sentença. Tribunal de Braga considerou crime provado mas atenuou castigo por o réu não ter antecedentes criminais. 75% dos autores de crimes de abuso de menores ficam com pena suspensa. Conceição Gomes, do Observatório da Justiça, critica brandura de deci
Quatro anos e meio de prisão com pena suspensa e dez mil euros de indemnização à criança de 10 anos vítima de atos sexuais de relevo. Foram estas as sanções impostas ontem pelo Tribunal Judicial de Braga a um professor de xadrez, de 38 anos, que foi condenado por um crime de abuso sexual agravado de uma aluna, uma menor que à data do início dos factos dados como provados tinha 10 anos. O acórdão dá como provado que o homem que dava explicações de xadrez num clube de Braga forçou a vítima a “atos sexuais de relevo” ao longo de um ano. O condenado, que negou sempre os crimes, fica obrigado a um regime de prova durante o período de suspensão de pena, em que terá de seguir um programa de acompanhamento a definir pelo Instituto de Reinserção Social. O acórdão ainda é objeto de recurso.
No entanto, este está mais perto de ser regra do que a exceção em Portugal em termos de aplicação da pena suspensa. Cerca de 75% dos autores de crimes de abuso sexual de menores foram condenados a penas suspensas de prisão em 2015 e 2016, segundo dados do Ministério da Justiça, divulgados em fevereiro pela Rádio Renascença. Nestes dois anos, houve um total de 696 condenações, em que os juízes puniram com pena suspensa em 523 processos.
Neste caso de Braga, o coletivo de juízes considerou que ficou provado o crime de abusos sexuais, ao longo de um ano, desde junho de 2015 até perto de o arguido ser detido pela Polícia Judiciária, em julho de 2016. Apesar de o professor ter negado em tribunal que tivessem existido contactos sexuais, os juízes consideraram que a sua versão não merecia credibilidade. O arguido argumentou, durante o julgamento, que a menor o terá acusado como “vingança por um ralhete” numa das aulas. Disse que mantinha sempre “grande proximidade” com todos os alunos e não apenas com aquela menina. De acordo com o relato do jornal O Vilaverdense, que acompanhou a leitura do acórdão, o arguido argumentou ter levado a menor a sua casa apenas para ali deixar roupa que tinha ido buscar à lavandaria. Os juízes não ficaram convencidos. Para o tribunal, o arguido “rodeou-se de todas as cautelas” para não ser “apanhado”, mas o testemunho da vítima revelou-se “fundamental” para dar os factos como provados.
O tribunal deu como provado que os abusos aconteceram em particular na casa de banho do clube onde dava explicações e na sua casa. Contudo, apesar de o condenar por um crime de abuso sexual agravado por ter cometido “atos sexuais de relevo”, e “não obstante a gravidade dos factos”, teve em conta que não possuía antecedentes criminais para suspender a pena.
Com exceção da leitura do acórdão, o julgamento decorreu à porta fechada para proteção da vítima, como é regra nos processos que envolvem menores e abusos sexuais. Além de o arguido e de a vítima terem prestado depoimento, foram ouvidas outras colegas da menor. De resto, o abuso sexual só foi conhecido quando esta desabafou com uma colega, que depois contou à mãe. Esta comunicou com a família da vítima e foi desencadeado o processo que levou à detenção do suspeito e agora à sua condenação.
O professor terá de pagar uma indemnização por danos não patrimoniais de dez mil euros. O pedido da mãe da vítima era de cem mil. Além disso, fica obrigado a “adotar comportamentos sexuais com normatividade jurídica”, pelo que será acompanhado durante o chamado regime de prova pelo Instituto de Reinserção Social como determinou o tribunal, para cumprir um programa. Este é o procedimento habitual neste tipo de crimes, explicou ao DN o advogado Fernando Silva, sem se pronunciar sobre o acórdão em causa. “Normalmente é determinado que seja o Instituto de Reinserção Social a promover esse acompanhamento e a verificar o cumprimento dessa obrigação”, explicou. “Durante o período da pena pode haver um programa imposto de acompanhamento médico, que pode ser psicológico, psiquiátrico. O arguido fica vinculado a esse programa”, disse Fernando Silva. O objetivo é verificar se o arguido passou a adotar os comportamentos sexuais com normatividade jurídica, isto é, se compreende que os atos sexuais proibidos por lei passam a estar fora da sua vida.
O advogado admite que estas situações não são fáceis de assegurar. “O sistema ainda está a ver como se garante eficácia nestas situações. Em geral, há uma tendência grande para a reincidência nos abusadores sexuais, e aplicar-se ou não uma pena de prisão não garante que o indivíduo em causa deixe de ter esses impulsos”, considera o professor de Direito Penal, sublinhando que o conceito jurídico de “atos sexuais de relevo” abrange situações que podem ir de carícias a violação.
Apenas um terço dos condenados por abuso sexual de menores foi punido com prisão efetiva em 2015 e 2016, segundo o Ministério da Justiça