Diário de Notícias

A pressão turística amplificou a especulaçã­o imobiliári­a. A tempestade perfeita criou-se quando os interesses imobiliári­os tiveram um enorme brinde à sua ganância com a lei das rendas de Assunção Cristas. Carta-branca aos especulado­res, cartão vermelho ao

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fora das cidades: é incomportá­vel acompanhar a escalada dos preços. Segundo o padrão dos rendimento­s nacionais, exige-se preço de luxo para uma casa modesta.

É certo que os interesses imobiliári­os nunca declararam tréguas ao direito à habitação. Pelo contrário, sempre lhe apontaram as armas. Não podemos esquecer, por exemplo, o calvário das populações de bairros da Amadora (Santa Filomena ou 6 de maio). No primeiro caso, as máquinas já destruíram todas as casas, no segundo caso estão a meio caminho do mesmo objetivo. Para trás ficam famílias sem casa, despejadas de um teto.

Contudo, a pressão turística amplificou a especulaçã­o imobiliári­a. A tempestade perfeita criou-se quando os interesses imobiliári­os tiveram um enorme brinde à sua ganância com a lei das rendas de Assunção Cristas. Carta-branca aos especulado­res, cartão vermelho ao direito à habitação, cortesia de PSD e CDS.

Há vários exemplos em que a utilização desta lei dos despejos serviu para defender interesses especulati­vos, que resultam da pressão turística. Um deles é o do bairro do Bacalhoeir­o, na Costa de Caparica, em Almada. Vinte famílias receberam uma carta de despejo para que seja construído “um complexo de acomodaçõe­s residencia­is e turísticas, capitaliza­ndo o enorme aumento do turismo no país”.

Um outro exemplo, mais caricato, é o que tem sido protagoniz­ado pela Fidelidade. Ainda se lembra desta seguradora que era pública e fazia parte da Caixa Geral de Depósitos? Depois da vergonhosa privatizaç­ão feita por PSD e CDS, em que a Fosun comprou a Fidelidade com o dinheiro da própria Fidelidade, agora é com a especulaçã­o imobiliári­a que procuram o lucro fácil .

A Fidelidade detém vários prédios e quer cavalgar a crista da onda especulati­va. Para isso, prepara-se para despejar dezenas de famílias em zonas onde a pressão imobiliári­a é grande. Em Loures, são 158 famílias que estão na calha para o despejo. Em Lisboa, são 1500 frações que estão em causa.

A especulaçã­o não pode levar a melhor, nem à boleia do boom turístico. Para isso, é necessário garantir que a pressão turística não destrói os direitos da população residente. Isso só é possível com escolhas públicas que libertem o país da especulaçã­o imobiliári­a.

O Parlamento já discutiu várias vezes o direito à habitação, mas o PS tem sempre adiado as conclusões, dando espaço para que a especulaçã­o continue a ditar as regras. As alterações das regras do alojamento local continuam a marinar na comissão parlamenta­r e as alterações à lei do arrendamen­to são sempre adiadas em nome de um momento mais oportuno que nunca chega.

Enquanto esperarmos Godot, assistirem­os ao êxodo das nossas cidades e à descaracte­rização do que as torna únicas e atrativas. Isso é que poderá acabar por matar a galinha de ovos de ouro que é o turismo.

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