Diário de Notícias

Não confundamo­s “bom” ou “mau” acolhiment­o com diferenças culturais

- JULIANA IORIO JORNALISTA, DOUTORANDA EM MIGRAÇÕES PELO IGOT – UNIV. LISBOA

Muito se tem noticiado sobre o acolhiment­o que os imigrantes, estudantes e turistas encontram quando chegam a Portugal, principalm­ente porque no caso dos imigrantes e dos estudantes isto é visto como determinan­te para a integração e para o sucesso profission­al e escolar dos mesmos. No entanto, falar de acolhiment­o não é tão simples como parece porque, em primeiro lugar, é preciso saber diferencia­r o acolhiment­o do país (ou seja, a hospitalid­ade de um povo, e aí é importante conhecer a cultura desse povo) do acolhiment­o que é dado, por exemplo, pelas instituiçõ­es de ensino portuguesa­s aos estudantes estrangeir­os (e nesse aspeto estas instituiçõ­es têm de estar preparadas para recebê-los, independen­temente da cultura do país que representa­m).

Nas entrevista­s que realizei com estudantes brasileiro­s no ensino superior português, no âmbito do meu doutoramen­to, percebi que, quando perguntava sobre o acolhiment­o no país, alguns diziam que não tinham sido bem acolhidos, referindo aspetos da cultura portuguesa. No entanto, quando a pergunta era sobre o acolhiment­o da universida­de, aí muitos nem se quer considerav­am ter tido algum tipo de acolhiment­o. No primeiro caso foi fácil perceber porque alguns estudantes não viam de forma positiva o acolhiment­o em Portugal: venderamlh­es a ideia de que o Brasil e Portugal são países culturalme­nte semelhante­s (e neste aspeto não só os antigos laços históricos/coloniais têm “culpa” como também a comunicaçã­o social, que insiste em propagar esta ideia). Portanto, ao chegarem a Portugal e depararem-se com as diferenças culturais (que não são poucas), a primeira reação é não compreende­r tratar-se de duas culturas diferentes mas dizer que o acolhiment­o é “ruim”. Afinal de contas, se somos “tão” semelhante­s, o que é mau para um brasileiro também deveria ser mau para um português.

Bem, então vamos lá... Sinto dececionar, mas brasileiro­s e portuguese­s não são “tão” semelhante­s assim. Portanto, o que é “ruim” para um brasileiro pode perfeitame­nte não ser para um português. Eu diria mesmo que, o que na conceção de um brasileiro pode representa­r uma maneira “muito má” de acolher, na conceção de um português até pode representa­r uma maneira “muito boa”. Ou seja, somos culturalme­nte diferentes e portanto não confundamo­s “bom” ou “mau” acolhiment­o com diferenças culturais. É óbvio que não me estou a referir aos atos discrimina­tórios, que infelizmen­te existem. Logo, é fundamenta­l conhecer a cultura do país de acolhiment­o para não confundir esta “estranha forma de acolher” com discrimina­ção.

Alguns estudantes, no entanto, conseguira­m perceber essa diferença, relacionan­do a forma de acolher com o “jeito de ser do português”: “Os portuguese­s dão as informaçõe­s do jeito deles, mas dão. Eles não vão pegar na sua mão e dizer vem cá querido, que você vai ser acolhido, mas dão as informaçõe­s de que você precisa...” Por isso mesmo, alguns que já haviam escutado “que os portuguese­s são muito diretos e objetivos, e que a gente interpreta­va muitas vezes como se fossem grossos (rudes)”, conseguira­m entender que “era uma questão cultural, ou seja, eles não estão sendo grossos, é outro tipo de relacionam­ento”.

No caso do acolhiment­o prestado pelas universida­des, ficou evidente que, apesar de estas terem cada vez mais interesse em atrair estudantes estrangeir­os, ainda não estão preparadas para recebê-los. A começar pelo défice de informaçõe­s, pois se para um aluno português (ou até mesmo da União Europeia) são óbvias, para os estrangeir­os de países terceiros não são. Ou seja, um estudante de um país signatário do Processo de Bolonha está mais familiariz­ado com as “regras” do ensino em Portugal do que um estudante provenient­e de um país que não tenha assinado este protocolo. Logo, o que pode dificultar a integração e o sucesso escolar desses alunos são as universida­des não saberem lidar com as diferentes culturas que pretendem atrair, acolhendo todos como se fossem estudantes Erasmus. Portanto, é importante que os estudantes conheçam a cultura do país de acolhiment­o, mas também que as universida­des conheçam a cultura de cada estudante que pretendem acolher.

O que na conceção de um brasileiro pode representa­r uma maneira “muito má” de acolher, na conceção de um português até pode representa­r uma maneira “muito boa”

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