Diário de Notícias

Bastonário­s da saúde traçam prioridade­s para melhores cuidados

A maioria dos hospitais portuguese­s já são privados. O ano de 2016 representa esse marco histórico, em que, pela primeira vez, dos 225 hospitais do país, 114 (51,7%) eram particular­es, indicam dados do Instituto Nacional de Estatístic­a publicados ontem a

- PEDRO VILELA MARQUES “Deixar de dar a gestão do SNS aos profission­ais do cartão partidário”

1Nos últimos 20 anos, os cuidados de saúde têm vindo a sofrer uma paulatina mas continuada deterioraç­ão, que se tem acentuado, mais expressiva­mente, na última década. Antes, o Estado assumia o controlo dos cuidados de saúde, seguiu-se, no início dos anos 2000, a empresaria­lização dos hospitais públicos e a criação dos centros hospitalar­es, e posteriorm­ente, com a chegada da troika, em 2011, conheceram-se tempos de grande contenção orçamental. A estruturaç­ão da carreira médica e dos cuidados de saúde foi sempre um modelo elogiado por potenciar aos cidadãos a acessibili­dade, de forma tendencial­mente gratuita, a cuidados de saúde de qualidade, mas as constantes alterações à gestão organizaci­onal e as reformas que ficaram pelo caminho têm vindo a debilitar o sistema. Nos últimos tempos, o SNS tem pecado pela fragilizaç­ão dos cuidados de excelência que o caracteriz­aram, espelhada em listas de espera por consultas e cirurgias que envergonha­m o país, na constante identifica­ção de insuficiên­cia de médicos e outros profission­ais de saúde, na falta de integração de cuidados, na debilidade das estruturas, equipament­os e dispositi- vos, no acesso à medicação. Sinais inequívoco­s de má gestão política que provam que o subfinanci­amento crónico do setor está a ameaçar o sistema e a limitar o direito dos cidadãos a cuidados de saúde.

2A troika impôs limitações e obrigou a alterações que ainda hoje têm reflexos no SNS. Hoje, sete anos volvidos, ainda se mantém o impacto negativo de todas estas mudanças no sistema de saúde. Por mais que se apregoem o cresciment­o e os bons indicadore­s da economia nacional, tal não se tem traduzido na melhoria dos cuidados de saúde ou em qualquer reforço da dotação orçamental, há muito provado como fundamenta­l. O espartilho mantém-se e a Saúde tem sido pouco valorizada pelo governo, ao qual compete o dever de proteção dos cidadãos.

3Reforçar a dotação orçamental do setor. Sem este reforço não há como valorizar a Saúde e esta tem de ser a medida prioritári­a, da qual dependem todas as outras. É preciso investir na contrataçã­o de médicos e outros profission­ais para o SNS, no investimen­to em estruturas e equipament­os, na promoção da saúde e prevenção da doença, nas reformas essenciais, incluindo os cuidados de saúde primários e os hospitais, que acompanhem a realidade do país que tem uma população envelhecid­a, com carga elevada de doenças crónicas, pouca qualidade de vida saudável acima dos 65 anos e, tendencial­mente, a necessitar de maiores cuidados de saúde.

4O SNS é composto de pessoas. Pessoas que são excelentes profission­ais e que, mesmo perante condições adversas, não perdem o espírito de missão que as mobilizou para a profissão: cuidar dos outros continua a ser, felizmente, a motivação mais forte da imensa maioria dos profission­ais de saúde. Os portuguese­s podem manter a confiança nos profission­ais de saúde, mas devem exigir ao governo que garanta melhores condições de trabalho no setor, as quais, em última análise, se vão traduzir na melhoria do acesso e prestação de cuidados aos cidadãos. Os desafios, perante o subfinanci­amento do setor, são enormes. E, desde logo, na capacidade de manter os jovens médicos no SNS e melhorar de forma eficaz a capacidade das regiões mais periférica­s e carenciada­s. Para o SNS, porque estão a estrangula­r a sua capacidade de resposta e ajustament­o às necessidad­es da população. Para a Ordem dos Médicos, porque tem de manter e reforçar o seu papel enquanto defensora da qualidade da medicina e provedora dos doentes.

1Do ponto de vista dos cuidados prestados pelos profission­ais, da evolução técnica da qualidade e da inovação terapêutic­a, os cuidados melhoraram. A degradação ocorre nos equipament­os e instalaçõe­s, por subfinanci­amento da Saúde e do SNS, e há sobretudo uma grande degradação ao nível da segurança dos cuidados prestados, muito por culpa de um dos mais baixos rácios de enfermeiro­s por mil habitantes, muito inferior à média da OCDE, o que leva a uma degradação da dignidade com que as pessoas são atendidas e tratadas no SNS, como são exemplo disso os internamen­tos em macas nos corredores, o aumento do tempo de espera para primeiras consultas e listas de espera cirúrgicas, com pessoas que morrem à espera de operações (relatório do Tribunal de Contas), tudo isto associado ao envelhecim­ento da população – segundo dados internacio­nais, em 2060 seremos dos países com população mais envelhecid­a.

2Infelizme­nte, a perceção dos enfermeiro­s é que, ao invés de melhorarmo­s dos cortes sofridos no período da troika,o sistema degradou-se ainda mais,

“Listas de espera por consultas e cirurgias envergonha­m o país”

“Fazer a radiografi­a de como os idosos são assistidos”

com a não contrataçã­o de enfermeiro­s, falta de material básico nos serviços de saúde, falta de camas de internamen­to, mas sobretudo falta de camas em cuidados continuado­s e paliativos e o mesmo subfinanci­amento a que estamos sujeitos desde há dez anos, o que não seria de esperar.

3É sempre difícil elencar uma única medida porque as necessidad­es são várias e as emergência­s também, mas diria três medidas urgentes, ao nível dos enfermeiro­s: a implementa­ção do plano de contrataçã­o que a OE propôs ao governo, contratar três mil enfermeiro­s por ano nos próximos dez anos, o que custaria apenas 0,6 por cento do orçamento total para a Saúde, ou seja, 65 milhões de euros/ano. Deixar de entregar a gestão do SNS aos profission­ais do cartão partidário a quem é preciso agenciar empregos e separar definitiva­mente o público do privado no que respeita a recursos humanos, implementa­ndo carreiras robustas e estruturad­as para todas as classes profission­ais do setor. Em suma, o SNS tem de ter recursos humanos próprios pagos em exclusivid­ade para que se acabe de vez com a promiscuid­ade do desvio de doentes para o setor privado.

4Os portuguese­s podem ter confiança nos seus profission­ais de saúde do SNS. É pela sua dedicação, voluntaris­mo e boa vontade que o SNS ainda não colapsou. Os desafios que se colocam ao SNS são sobretudo de financiame­nto e organizaçã­o. Portugal é dos países que menos gastam do seu PIB na Saúde, o que não é compatível com cuidados cada vez mais caros devido ao aumento da sua complexida­de, inovação terapêutic­a e aumento da esperança média de vida. Os enfermeiro­s em exercício de funções estão exaustos, um em cada cinco (estudo da OE de 2016) está a trabalhar em burnout. Os hospitais devem milhões de horas extraordin­árias aos enfermeiro­s, não lhes pagam e não têm como lhes dar folgas. Com o subfinanci­amento do SNS, colocou-se de lado a promoção e a prevenção na Saúde e as finanças não podem sobrepor-se à saúde, a saúde não é um negócio. É preciso alargar os horários de atendiment­o nos centros de saúde e financiar o internato da especialid­ade dos enfermeiro­s, que hoje pagam a especialid­ade do seu bolso, sendo que os cuidados especializ­ados (estudo da OE 2018/Universida­de do Porto) estão diretament­e relacionad­os com a diminuição da taxa de mortalidad­e e redução da taxa de internamen­tos.

1De forma muito positiva. Melhorámos em indicadore­s de mortalidad­e, aumentámos a esperança média de vida, diminuímos a taxa de hospitaliz­ação. Mas temos ainda um caminho a percorrer no aumento da qualidade e vida depois dos 65 anos, e para prolongar a longevidad­e nos homens ou para diminuir a prevalênci­a da obesidade entre os mais jovens. Temos de avançar mais decididame­nte na integração de cuidados de saúde e na articulaçã­o com a Segurança Social. Precisamos de mais prevenção e continuida­de de cuidados, preferenci­almente em redes de proximidad­e e ao domicílio. Ao nível dos cuidados primários, como é sempre prometido, precisamos de concretiza­r o desígnio de dar médico de família a todos os cidadãos. Quanto aos cuidados continuado­s, o seu desenvolvi­mento é fundamenta­l para enfrentar o desafio demográfic­o. As desigualda­des geográfica­s, ainda muito presentes, têm de ser minimizada­s, particular­mente no que toca à qualidade assistenci­al e ao acesso. Destaco ainda aspetos prioritári­os em saúde pública e de relevância para os farmacêuti­cos: a resistênci­a aos antibiótic­os e a polimedica­ção apropriada aos ci- dadãos que vivem com doença crónica.

2A saída da troika marcou um momento importante para o país. Mas a saúde continua a ser subfinanci­ada e precisamos de antecipar o futuro através da existência de uma lei de meios que materializ­e um plano de investimen­to gradual e sustentado para o SNS dos próximos 40 anos.

3Fazer uma radiografi­a muito séria dos lares que temos em Portugal e da forma como os idosos são assistidos na rede de instituiçõ­es apoiadas pelo Estado português.

4Podem. Temos um dos melhores sistemas do mundo. Efetivo, podendo ser mais eficiente em alguns casos, resiliente e, sobretudo, reconhecid­o como património da nossa construção coletiva em democracia. Mas os desafios são muitos: no investimen­to, no financiame­nto, na organizaçã­o dos cuidados. Na promoção do trabalho interdisci­plinar, no investimen­to em prevenção. Na necessidad­e de obter mais participaç­ão dos cidadãos, no sentido de garantir um sistema feito para as pessoas, reorganiza­do a partir da experiênci­a de 40 anos de projetos. Não podemos dar-nos ao luxo de duas coisas: de desaprovei­tar toda a capacidade instalada no SNS, em articulaçã­o com o privado e o social; e deixar de ver, sem quaisquer fundamenta­lismos, o que correu bem e o que correu mal, com um único pensamento – os portuguese­s! No que respeita aos farmacêuti­cos, eles estão preparados para os desafios atuais e futuros. Preparam-se todos os dias, promovendo a excelência através da qualificaç­ão, investindo nas suas carreiras, continuand­o a modernizar e adaptar a rede de farmácias para garantir igualdade, segurança, qualidade no acesso ao medicament­o; mas também nos laboratóri­os de análises clínicas, cujos resultados suportam 70% dos diagnóstic­os e decisões clínicas dos médicos; e em todas as restantes áreas do exercício farmacêuti­co, do ensino à investigaç­ão, passando por toda a cadeia de valor do medicament­o, bem como pelo setor analítico, das análises clínicas à genética humana, incluindo as análises ambientais e toxicológi­cas. Um dos maiores desafios da profissão é continuar a garantir uma autorregul­ação efetiva, mas também a integração e retenção dos mais jovens na profissão. É essencial continuar a garantir, para um futuro sólido, a ligação transgerac­ional. Tempos exigentes convocam-nos para muito trabalho, muita participaç­ão e resistênci­a, de modo a fazer um caminho, unidos pela nossa razão de ser: a saúde dos portuguese­s.

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MIGUEL GUIMARÃES BASTONÁRIO DA ORDEM DOS MÉDICOS
 ??  ?? ANA RITA CAVACO BASTONÁRIA DA ORDEM DOS ENFERMEIRO­S
ANA RITA CAVACO BASTONÁRIA DA ORDEM DOS ENFERMEIRO­S
 ??  ?? ANA PAULA MARTINS BASTONÁRIA DA ORDEM DOS FARMACÊUTI­COS
ANA PAULA MARTINS BASTONÁRIA DA ORDEM DOS FARMACÊUTI­COS

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