Diário de Notícias

Pedro Mexia lança livro com um conjunto de crónicas intitulado Lá Fora

Da Lisboa de sempre à Lousã e à Figueira da Foz da infância, de Havana à Londres de sempre. Das viagens épicas ou trágicas dos outros, para terminar numa viagem interior porque para onde quer que se vá leva-se “o que se tem na cabeça”. A nova coletânea de

- Por César Avó

Em entrevista a César Avó explica o que o levou a escrever sobre as cidades, os hotéis, os temas culturais que aprecia.

Cao bater da hora combinada. Pedro Mexia já estava instalado, num cadeirão do bar do hotel. Junto à chávena de café, há documentos, blocos e várias canetas. Para quê tanto material de escrita? “Fico com pânico de ficar sem canetas.” Prefere ter uma caneta à mão para apontar uma ideia do que usar o telemóvel, apesar de que por vezes tem dificuldad­es em compreende­r o que garatujou. “Tenho uma letra horrível.” Encontramo-nos num hotel, um espaço “inautêntic­o, hostil e alienado” ao qual dedica uma das crónicas de Lá Fora. Os hotéis são um bom sítio para se escrever? Gosto imenso de escrever em hotéis, de ler e de estar em hotéis em geral, embora eu aponte o que diz como negativo. Há um lado impessoal e clean nos hotéis de que gosto bastante. Há menos distrações? Teoricamen­te sim. Não sei se escrevi muito em hotéis, provavelme­nte sim. No verão tendo a escrever em hotéis. Mas escrevo em qualquer sítio, basicament­e. Que viagem propõe em Lá Fora? Este livro é um bocadinho diferente dos outros. Não escrevo sobre espaços, não é aquilo que mais me motiva, daí a relativa estranheza deste livro. Quando estava a fazer uma seleção de crónicas para um livro não tinha tema, e este nasceu do facto de haver um conjunto pequeno de textos, que não dava um livro, sobre sítios onde fui – podia ser perto ou noutro continente. E havia um núcleo muito grande de textos sobre o que as viagens significar­am para outras pessoas. Quer viagens de exploração, quer viagens de exílio, quer viagens aos sítios onde se foi feliz... O livro começa com uma crónica sobre a Feira Popular e acaba numa sobre uma experiênci­a imersiva, uma espécie de cápsula aquática. É uma viagem interior? Começa com uma distanciaç­ão espacial. Primeiro Lisboa, depois os arredores, por aí fora. A última crónica foi uma das poucas experiênci­as deliberada­mente para escrever sobre ela. Não é uma viagem a sítio nenhum, mas é para acabar o Lá Fora com um texto cá dentro, isto é, a ideia de flutuação, silêncio, privação sensorial, etc., é a de que nós nos libertamos, largando o nosso eu. Não acredito nisso, como está amplamente documentad­o. Não acredito, pelo menos, que isso esteja ao meu alcance, é uma espécie de epílogo irónico. Não vale a pena andar lá por fora porque se volta sempre ao interior da nossa cabeça. Mesmo quando estamos numa experiênci­a para pensar em nada, há sempre coisas na cabeça. Não gosto do processo de viajar, mas gosto de estar noutros sítios. Onde quer que se vá carrega-se o que se tem na cabeça. Afirma a certa altura que prefere a nostalgia ao saudosismo. A felicidade conjuga-se apenas no pretérito? Ah, de maneira nenhuma. A nostalgia não sei se diz respeito apenas à felicidade, de ter um sentimento de melancolia em relação ao passado. Às vezes é o contrário, porque se perdeu, de mitificar o passado, ou seja, às vezes as pessoas têm saudades da infância sem terem razões objetivas. Mas é a infância como possibilid­ade, como tempo em que tudo podia acontecer. Essa nostalgia não é necessaria­mente da felicidade passada, a felicidade é talvez uma experiênci­a mais do presente do que do passado. A crónica mais surpreende­nte é a da Tomatina. A sua imagem é a de um autor melancólic­o, com um gato aninhado ao colo... Que não tenho... Com um chá ao lado... Que não bebo... Como convive com a persona pública, a imagem que se tem de si? A imagem que as pessoas têm de pessoas públicas ou semipúblic­as não é inteiramen­te falsa, mas é claramente parcial. Nenhuma pessoa é só uma coisa. É-me muito fácil surpreende­r alguém, porque as pessoas associam-me a duas ou três coisas. Basta verem-me no Estádio da Luz para achar estranho. A Tomatina [em Buñol,Valência] não era um sítio muito óbvio para ir, de facto. Eu via as imagens na televisão e não percebia aquilo. Era fascinante e estranha. Não é uma festa religiosa nem uma tradição antiga. Nunca fui a uma rave ou a uma orgia, mas imagino que sejam parecidas no sentido em que há um corpo coletivo e ali sujidade coletiva, também. Lê-se a certa altura “estar longe é geralmente melhor do que estar aqui”. Quais são os sítios em que preferia estar quando não quer estar aqui, reais ou imaginário­s? O meu sítio preferido é Londres. Houve uma ou outra cidade de que gostei muito, Dublin e Buenos Aires, por exemplo, mas em geral não acontece querer lá viver. Mesmo Londres, a cidade a que fui mais vezes, talvez umas dezenas de vezes, o que conheço é uma aproximaçã­o. Sítios imaginário­s, gosto muito do Dicionário de Lugares Imaginário­s, do Alberto Manguel, como exercício imaginativ­o, mais pela capacidade literária dos autores. Gostava de ir à Atlântida ou à Troia mítica... Bom, não sei se gostava. Ao lermos estas crónicas juntas há um tom comum, de sobriedade. É-lhe natural ou exige disciplina? Há duas crónicas que correspond­eram a encomendas [sobre a Assembleia da República e o Lux] que têm um tom diferente. As questões estilístic­as são intrínseca­s. Não vou escrever um texto barroco, prolixo, esfuziante ou carnavales­co porque não sou assim nem saberia escrever assim. O tom é muito contido. Não se contém demasiado, por vezes? Há pessoas que acham que me contenho demasiado, mas não sei qual seria o grau certo de contenção. Escrevo como me é natural escrever, não é uma pose no sentido de ser uma forma de fingimento com fins literários. Há técnicas que toda a gente usa a escrever um texto. Se quero ter graça uso o exagero, mas não é para enganar ninguém, é um truque aceite no mercado, por assim dizer. Quanto tempo lhe ocupa uma crónica? Pode ser um dia? Já aconteceu. Num dia em que esteja de férias, sem nada para fazer. Mas acontece pouco. Para o bem e para o mal a crónica tem o lado da imediatez. Escreve a certa altura que tem uma memória “altamente deficiente”. Como liga os pontos entre o tema da crónica e as passagens dos autores que cita? Não tenho memória no sentido de me lembrar dos nomes e das caras das pessoas, dos sítios onde estive. Mas não tenho problema em mehegamos

“Não vou escrever um texto barroco, prolixo, esfuziante ou carnavales­co porque não saberia escrever assim”

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