O filme que conta a história de Chavela Vargas sem esquecer os grandes dramas da sua vida
Está nas salas o filme biográfico sobre a cantora mexicana. Chavela leva-nos ao âmago da sua singular história, entre o lesbianismo, o álcool, a amizade com Pedro Almodóvar e a triunfante fase final da carreira. O DN entrevistou as realizadoras Catherine
Inês N. Lourenço entrevistou as realizadoras de Chavela e revela muito do que os fãs desta cantora mexicana querem saber.
Cantava como quem morre e punha a vida na voz. Chavela Vargas (1919-2012) nasceu na Costa Rica mas fugiu para o México ainda jovem e integrou a tradição musical ranchera do país, fazendo-se respeitar numa sociedade patriarcal. Usava calças e bebia tequila como os homens. Não se assumiu publicamente como lésbica até aos 81 anos, mas entre as suas muitas amantes conta-se F rida K halo. Depois de uma fase marcada pelo alcoolismo, regressou aos palcos, desta vez do mundo, pelam ã ode Al mo dóv ar, que a eternizou nas bandas sonoras dos seus filmes.
Foi antes desse retorno aos palcos que Catherine Gund a entrevistou, em 1992, como relata: “Quando conheci Chavela Vargas, e filmei a nossa interação, ela tinha 72 anos e toda uma vida de canto, tendo sofrido com a bebida durante muito tempo. Tornou-se uma espécie de reclusa. Filmá-la naquele momento significou realmente preservar algo da sua memória para a posteridade. Eu estava convencida de que a carreira dela estava completa.” São essas filmagens que abrem o filme, mostrando uma mulher sem medo. “Quem é que faz um comeback com aquela idade?”, espanta-se Daresha Kyi.
Nesse material de arquivo está a origem do documentário: “Foi durante o luto do meu melhor amigo, que morreu de sida, que me refugiei no México, onde me deram a conhecer a música de Chavela. As suas canções, a imensa paixão e dor que infundia nelas, tocaram-me profundamente e ajudaram-me a lidar com a perda. A jovem homossexual com quem me encontrei lá considerava-a o principal ícone queer, e, ao ver a minha câmara, insistiu para que eu falasse com ela… As filmagens ficaram numa caixa por mais de 20 anos”, conta Catherine. Quando Daresha viu essas imagens, quis imediatamente avançar com o projeto: “Fiquei apaixonada pela maneira como ela falava e as coisas que dizia.”
Chavela Vargas é, de facto, um caso de fascínio. Humano e artístico. A sua música, como salienta Catherine, conta a história da sua vida: “Cantou sempre canções que eram tradicionalmente cantadas por homens. Letras que têm um homem ansiando pelo amor de uma mulher, lamentando-se por perdê-la e de seguida recordando-a com pathos. Ela só cantava canções cujas letras narrassem a sua vida. E estas não são apenas espelho das emoções – incorporam também as suas radicais negociações com o género e a performance.”
Por sua vez, Daresha realça o aspeto da solidão: “Ela nunca recuperou do facto de ter sido rejeitada pelos pais. Por isso, nunca deixou ninguém chegar demasiado perto. Preferia a solidão ao perigo de se ferir emocionalmente. No fundo, a solidão era a sua amiga mais próxima, a constante companheira até ao fim da vida, impregnando a sua forma crua e poderosa de cantar. Tinha essa extraordinária habilidade de converter a dor em arte.”
Quando lhes perguntamos como definem Chavela e o seu canto rouco e abismal, as respostas são poéticas. “Era uma sereia cantando das profundezas de um mar de emoção”, diz Daresha. Já Catherine descreve a sensação: “Quando a música acaba ainda estou completamente imersa no seu crepúsculo. Não tenho a certeza se isso equivale a absolvição, sobrevivência, transformação ou tudo ao mesmo tempo, mas sei que a sua música me deixa transformada.”